Este post apresenta parte do meu novo capítulo Realidade Aumentada em Museus: Potencializando a acessibilidade e os conteúdos alternativos à retórica oficial através das tecnologias digitais, publicado no livro Informação, mediação e cultura: teorias, métodos e pesquisas1, editado pela Letramento e pela PPGCI (Pós-Graduação em Ciência da Informação da UFMG), com recursos da CAPES.

No capítulo, além da experiência de Realidade Aumentada (RA) que realizei no MASP — Museu de Arte de São Paulo — apresentada a seguir, discuto casos notórios de uso das tecnologias digitais no ativismo ético em museus, envolvendo temas como decolonização e repatriação digital.

Baixe gratuitamente o PDF do livro ao final deste post, que também pode ser adquirido em versão impressa no Brasil.

Entende-se por Realidade Aumentada as tecnologias digitais que permitem combinar objetos reais e virtuais em um ambiente existente, visualizado através de algum dispositivo eletrônico, como a tela do celular ou do tablet. Ao alinhar objetos do entorno aos virtuais, a RA permite a interação com estes em tempo real, à medida que o usuário move o dispositivo.

A RA se diferencia da Realidade Virtual (RV), pois a RV não acrescenta elementos do entorno presencial do usuário à experiência, promovendo a completa imersão do fruidor em um ambiente totalmente virtual.

Vídeos com minhas experiências de Realidade Aumentada

No vídeo abaixo, à esquerda, salvei a tela do celular mostrando a experiência de RA que realizei no MASP2. Nela, o app HP Reveal3 reconhece a obra de arte. Então, sobrepõe a imagem do quadro com a fotografia da sua respectiva legenda, disponibilizada pela instituição no verso da obra.

Este disparo automático a partir da própria aparência dos objetos, permite que conteúdos digitais sejam inseridos em um museu sem nenhuma interferência ou acréscimo físico ao espaço, como etiquetas de QR Code exigem, por exemplo. Assim, intervenções de RA podem ser oficiais ou não, proporcionando uma gama de possibilidades para que os próprios visitantes “reescrevam” o discurso museal.

Com este mesmo recurso de disparo automático, à direita, o outro vídeo mostra uma “brincadeira” que fiz para meus alunos do curso de Museologia da UFMG.

Também utilizando o app HP Reveal, aumentei obras de arte de artistas conhecidos, tais como Salvador Dalí, Magritte, Arcimboldo e Mondrian. Similarmente à experiência do MASP, o app reconhece a obra de arte e apresenta para o aluno a sua respectiva experiência animada, escolhida por mim na biblioteca do aplicativo e vinculada àquela obra utilizando o meu perfil @webmuseu. Na aula também ensinei os alunos como criar o seu perfil e suas próprias experiências de realidade aumentada.

Infelizmente o app HP Reveal foi descontinuado. Agora, portanto, estou redirecionando minhas investigações sobre RA para o app gratuito Metaverse4.

Pesquisas revelam que o uso de RA nos museus brasileiros pode ser considerado incipiente, bem como o são as monografias de pós-graduação desenvolvidas sobre o tema no campo da Ciência da Informação.5

Entendemos que a RA pode contribuir não somente com a comunicação museológica, mas também com a inclusão e a acessibilidade, atuando como tecnologia assistiva.6

Que este novo capítulo de livro possa, portanto, colaborar para ampliar o uso da realidade aumentada nas unidades de informação e cultura do nosso país.

Introdução

No último censo do IBGE, cerca de 45 milhões de brasileiros declararam-se portadores de pelo menos uma das deficiências listadas, representando aproximadamente um quinto da população.

Além disto, todos nós, em algum momento da vida, apresentaremos alguma deficiência, temporária ou permanente, como é o caso das dificuldades de locomoção em idades avançadas. Estes números nos reforçam o fato de que a acessibilidade está intimamente ligada à função social dos museus:

Exposições são apresentações complexas que transmitem conceitos, exibem objetos e estimulam os sentidos. No entanto, à medida que os museus reconhecem a diversidade no seu público, eles percebem que as exposições devem fazer mais: as exposições devem ensinar em diferentes estilos de aprendizagem, responder a questões de equidade cultural e de gênero, oferecendo vários níveis de informação. As mudanças resultantes nas exposições tornaram essas apresentações mais compreensíveis, agradáveis e conectadas com a vida dos visitantes. O design acessível deve fazer parte desta nova filosofia de desenvolvimento de exposições, porque as pessoas com deficiência são parte do público diversificado dos museus. A descoberta de maneiras empolgantes e atraentes de tornar as exposições acessíveis atenderá mais diretamente as pessoas com deficiência e os adultos mais velhos.” (Smithsonian guidelines for accessible exhibition design, 2021, p.2, tradução da autora).7

Os aplicativos de realidade aumentada, nesse contexto, atuam como tecnologias assistivas, ou seja, recursos e serviços que ampliam a autonomia, a inclusão e as habilidades funcionais das pessoas com deficiência.

Ainda que se trate de um conceito mais amplo, no âmbito desta publicação, entendemos Realidade Aumentada (RA) como sendo uma experiência interativa, proporcionada pelas tecnologias digitais, cujas informações do mundo real são amplificadas por outras geradas por dispositivos eletrônicos, a exemplo de imagens, vídeos, links e animações.

Assim, elementos digitais podem se superpor aos reais, capturados pelas câmeras de celulares. Ao contrário da Realidade Virtual (RV), na qual há uma inteira substituição do real por simulações imersivas, na realidade aumentada empreendemos um diálogo entre o presencial e conteúdos mediados por equipamentos e seus aplicativos (smartphones, tablets, etc.).

Neste capítulo, apresentaremos um estudo exploratório com experiências de realidade aumentada em uma das mais importantes instituições de arte do país — o Museu de Arte de São Paulo (MASP) — tendo como objetivo a potencialização da acessibilidade de seu acervo principal.

No caso do MASP, as legendas dispostas no verso das pinturas da exposição principal – Acervo em Transformação – foram superpostas aos quadros, por meio do aplicativo de realidade aumentada HP Reveal, como veremos detalhadamente a seguir. Trata-se da experiência MASP Labels by Webmuseu.

Cavaletes de Cristal no MASP: Um mar de obras-primas suspensas no espaço

O MASP abriga o mais importante acervo de arte europeia do hemisfério sul, totalizando mais de dez mil obras que contemplam, ainda, a arte africana, asiática e americana.

Trata-se de um museu privado, sem fins lucrativos, fundado por Assis Chateaubriand em 1947. Em 1968, passou a ocupar a sede projetada por Lina Bo Bardi, tornando-se um marco arquitetônico na Avenida Paulista e o ponto de encontro para manifestações políticas, artísticas e culturais.

A radicalidade da arquiteta também se faz presente nos cavaletes de cristal, criados para expor a coleção no segundo andar do edifício. Ao retirar as obras das paredes, os cavaletes questionam o tradicional modelo de museu europeu, no qual o espectador é levado a seguir uma narrativa linear sugerida pela ordem e disposição das obras nas salas. No espaço amplo da pinacoteca do MASP, a expografia suspensa e transparente permite ao público um convívio mais próximo com o acervo uma vez que ele pode escolher o seu percurso entre as obras, contorná-las e visualizar o seu verso.” (MASP, 2019, website).

Edifício do MASP e cavaletes de cristal, projetados por Lina Bo Bardi. Fotos: Morio – Wikipedia (esquerda), Ana Cecília Rocha Veiga (direita).

Os cavaletes de cristal (placas de vidro encaixadas em blocos de concreto) foram substituídos em 1996 e refeitos em 2015, num resgate cercado de controvérsias. Em defesa desta volta ao passado, o MASP reiterou o caráter político da galeria aberta projetada por Lina, que reduziria hierarquias, percursos pré-determinados e sacralizações. O suporte de vidro permite, ainda, acesso aos detalhes posteriores da moldura, raramente vistos em exposições convencionais.

Verso dos cavaletes de cristal no MASP, com as legendas afixadas. Foto: Ana Cecília Rocha Veiga.

A legenda localizada no verso proporciona um primeiro contato com a obra de arte sem rótulos e textos. Este talvez seja o aspecto mais interessante no que tange à expografia vigente. A própria localização das obras – em um dos museus mais importantes do mundo – já se configura como contexto suficientemente indutor.

Tendo em vista este cenário complexo, a prudência pedia que adiássemos nossas conclusões até uma visita presencial. Constatamos, na ocasião, em 2018, que Lina Bo Bardi e o MASP tomaram uma decisão acertada, em nosso entendimento: o mar de obras-primas suspensas no espaço proporciona uma experiência estética e museal sem precedentes.

Os senões dos cavaletes de cristal

Não obstante as melhores intenções dessa expografia translúcida, ao permanecer por um tempo prolongado no MASP, em 2019, saltou aos olhos alguns senões.

Comprometimento da acessibilidade causado pelas legendas no verso das obras

Pessoas idosas, cadeirantes, grávidas, com crianças de colo ou mobilidade reduzida, tantas vezes, solicitavam que seus acompanhantes realizassem por eles o trajeto até a legenda, retornando somente com as informações básicas retidas pela memória. Por este motivo, as legendas do museu, que apresentam um conteúdo extremamente rico, não alcançavam parte significativa do público.

O folheto com mapa, disponibilizado pelo MASP, possuía informações resumidas (nomes e datas). Segui-lo requeria grande esforço de atenção para não se perder na listagem, pois são apenas textos numerados, sem fotografias. Em nossa última visita, em 2019, os folhetos acabaram logo no começo do expediente e não foram repostos por problemas técnicos. Já o guia de bolso apresenta uma seleção com sessenta itens: menos de um terço do total exposto no período.

Cansaço dos visitantes

Não só para as pessoas com mobilidade reduzida, mas também para o público em geral, às vezes se torna cansativo a realização dessa caminhada em constante “vai e vem”. Alguns cavaletes estão aninhados em cinco ou seis seguidos, o que torna o percurso longo. Em nossa postagem sobre este experimento, um internauta comentou:

[…] Eu sou uma pessoa “normal”, mas com o joelho inflamado no dia da visita e sem os óculos que uso apenas para ler em casa, confesso que tive bastante dificuldade pois eu queria muito ler, por mais que eu conhecesse a obra e a história. Enfim, que projeto lindo (pensando em uma realidade que não é a sua), inovador (nunca vi nada parecido), aplicável (quem não gostaria de ler as informações com calma ou até mesmo em casa?) e uma ampla capacidade de gerar mídia […]

Visita “invertida” escolhendo quais obras fruir pelas legendas

Visitantes apressados, talvez viajantes à negócios com horário contado, pareciam realizar a visita de trás para a frente, escolhendo o que ver por meio das legendas no verso dos quadros. Esta visita “invertida” redunda em resultados opostos aos desejáveis pela proposta expográfica, reforçando o fetiche dos grandes mestres, mantendo o visitante em sua “bolha artística” e limitando novas descobertas.

Superlotação e selfies

À medida que o museu começa a lotar, algo que ocorre com frequência nessa prestigiosa instituição, caminhar entre os cavaletes se torna mais lento, tomando mais tempo e requerendo mais atenção para não esbarrar nas obras. É preciso também aguardar, com frequência, que os visitantes tirem seus selfies e fotos diante dos quadros. Não raro ser este um processo demorado, pois as pessoas esperam os demais passantes saírem de foco, já que os cavaletes de cristal revelam tudo e todos ao seu redor.

Essa transparência também pode atrapalhar a fruição das obras, especialmente para pessoas com dificuldade de atenção.

Leitura da legenda concomitantemente à observação da obra de arte

Visitantes dedicados ao estudo da arte podem preferir observar a obra à medida que leem a legenda. Os textos apresentam descrições das cenas, técnicas artísticas, símbolos retidos na composição, dentre outros detalhes que exigem o escrutínio simultâneo da pintura.

Peguei-me fotografando algumas legendas, destrinchando-as em seguida defronte ao quadro na tela do celular, o que ensejou a ideia para esta intervenção virtual no MASP.

MASP Labels by Webmuseu: aumentando as legendas do MASP com HP Reveal

A nossa proposta de intervenção colaborativa no MASP consistiu, inicialmente, na inserção das legendas do verso por sobre a imagem das obras de arte, utilizando para isto o aplicativo gratuito de realidade aumentada HP Reveal. As legendas foram fotografadas e adicionadas ao aplicativo, associando-as às suas respectivas obras. A própria pintura funcionava como um “disparador” automático para a superposição da legenda na tela do smartphone.

Este consistia em um grande diferencial do HP Reveal em comparação com diversos outros aplicativos: não era necessário capturar nada especial (por exemplo: QR Code) para visualizar a experiência. Uma vez baixado o aplicativo e selecionado o perfil @Webmuseu, onde disponibilizamos o acervo do MASP de forma pública, bastava o usuário apontar a câmera do celular para a pintura desejada e, automaticamente, a legenda aparecia na tela.

Pintura Dama Sorrindo de Renoir e print da tela do celular utilizando a experiência de RA do HP Reveal.

As esculturas e demais objetos não foram inseridos na coleção on-line do HP Reveal por entendermos que seu caráter tridimensional convida o usuário a uma fruição em seu entorno, que acessará, neste processo, naturalmente, a legenda.

Outro aspecto importante desta proposta é que ela não interferia de modo substancial na concepção museográfica do MASP e de Lina Bo Bardi, em nosso entendimento. O usuário ainda podia escolher qual caminho desejava trilhar na exposição. Também permanecia tendo um contato com a obra sem informações prévias.

A única mudança essencial é que, ao invés de se dirigir ao verso do cavalete para ler a legenda, isto era feito por meio do aplicativo. Neste sentido, o contato visual com a parte de trás da moldura não aconteceria. Em outras bases digitais, como um website, ou em um aplicativo específico do museu, fotografias do verso também poderiam ser disponibilizadas, permitindo ao visitante escolher se deseja visualizá-lo de perto, contornando assim o cavalete ou não.

Por utilizar a obra de arte como o próprio acionador da experiência, a realidade aumentada, neste caso, não engessa. Isto é importante, também, porque a exposição Acervo em Transformação almeja a semipermanência, sendo constantemente revisitada por modificações e ajustes, além de receber obras externas que podem ser incluídas no aplicativo sempre que emprestadas ao museu, dentro da proposta de intercâmbio internacional que teve seu início em 2018 com a Tate.

Em 2019, a instituição convidada pelo MASP foi o Museum of Contemporary Art Chicago (MCA), cuja política de permissão de fotografia e compartilhamento é similar à do MASP, conforme descrito em seu Frequently Asked Questions (FAQ). As obras do MCA foram inseridas ao longo dos cavaletes de cristal, em ordem cronológica, começando pelas mais recentes.

Embora haja um foco na arte figurativa, o que reflete a coleção do MASP, algumas obras do MCA flertam com a abstração — como as de Gonzalez Torres e de Levine, do mesmo modo como outras do MASP, como as de Lygia Clark e de Rubem Valentim. Os intercâmbios com outros museus permitem ao MASP trazer diferentes trabalhos para conviver com os da coleção do museu, suprimindo, ainda que temporariamente, algumas de nossas lacunas, bem como estabelecendo outras possibilidades de diálogo com o acervo.” (MASP, 2019, website).

Faz-se necessário pontuar, neste momento, alguns obstáculos com os quais os usuários poderiam se deparar ao longo do uso da ferramenta. Ainda que gratuito, o HP Reveal necessitava ser baixado, o que implicava em consumo de memória de cerca de 400 megabytes. O museu possui Wi-Fi gratuito, então, não seria necessário o gasto de créditos de internet por parte do visitante.

No Brasil, somente 32% dos museus disponibilizam Wi-Fi para o público (CETIC, 2019) Apesar de ser bem simples de operar, o HP Reveal não era tão intuitivo para a maioria das pessoas, justamente pelo fato de não estarmos, na cultura brasileira, tão familiarizados com tecnologias digitais avançadas, como a realidade aumentada.

Smartphones mais simples, com câmeras de qualidade inferior, poderiam ter dificuldades para captar algumas pinturas cujo contraste não fosse tão evidente. Dentro de nossas avaliações de usabilidade do caso, testamos todas as experiências no MASP não só em um iPhone com câmera potente, mas também em um celular Sony android antigo, cuja câmera encontrava-se inclusive danificada por embaçamentos. Mesmo assim foi possível capturar todas as experiências nas pinturas, ainda que algumas tenham demorado mais para serem encontradas pelo HP Reveal.

Teste da experiência de realidade aumentada utilizando um celular antigo, para verificar a inclusão social da experiência.

A acessibilidade no HP Reveal não poderia ser considerada universal, uma vez que o texto era apresentado na forma de imagem e a mesma, devido ao caráter interativo da experiência, não possuía excelente resolução. Pessoas com baixa capacidade visual ou cegas, bem como surdos que não leem português, não poderiam ser considerados incluídos.

Outras possibilidades de recursos digitais de acessibilidade

Tendo como norte o desenho universal, consideramos algumas possibilidades de inserção do conteúdo do MASP (fotografias de pinturas e de suas legendas) nas plataformas a seguir. Trata-se de recursos que podem ser implementados pelo próprio MASP ou por demais pesquisadores da área, mediante autorização da instituição, ficando aqui como sugestão aberta a todos os interessados em colaborar com o museu.

Website em WordPress com Text Alt e Libras

O WordPress consiste em um Content Management System(CMS), um software livre gerenciador de conteúdo para a web, que responde por cerca de 40% dos websites publicados atualmente.

Dentre as inúmeras vantagens do WordPress encontram-se a web semânticae a otimização para mecanismos de busca – Search Engine Optimization (SEO) , ou seja, sua capacidade de comunicar aos mecanismos e leitores de tela, como o NVDA, as diversas partes que compõem o website: menus, títulos, imagens, textos, palavras-chave etc. Isto amplia a acessibilidade em todos os sentidos, desde pessoas com deficiência à recuperação da informação. Abordamos estas questões na cartilha on-line do projeto Pedras Sabidas, na qual aplicamos ainda processos de gestão de conteúdo e técnicas de web writing.

Com o WordPress é possível, também, acrescentar descrições alternativas (texto alt) nas mídias, que consistem em metadados não visíveis para os usuários em geral, mas lidos pelo NVDA e similares, com informações relevantes para pessoas cegas ou com baixa visão.

Ao contrário das legendas convencionais, escritas para pessoas que enxergam, os textos alt, geralmente difundidos nas redes sociais com a hashtag #PraCegoVer ou similares, descrevem a cena de modo literal, tendo como foco quem não as pode visualizar. Em um website, portanto, seria possível acrescentar as pinturas do MASP, as legendas disponibilizadas pelo museu, bem como um conteúdo exclusivo produzido para pessoas com deficiência visual (texto alt). Esta coleção on-line poderia ser desenvolvida utilizando-se os recursos da plataforma Tainacan.org.

Por fim, neste repositório digital seria possível inserir áudios, assim como vídeos com legendas em Libras – a Língua Brasileira de Sinais. Plugins de tradução, à exemplo do VLibras, permitiriam a leitura do conteúdo por surdos que não sabem o português.

Para os que enxergam, fotografias do verso das pinturas, com os detalhes da moldura exposta pelos cavaletes de cristal, auxiliariam os visitantes a escolher se querem, ou não, contornar o cavalete para observar os detalhes posteriores das obras.

Inteligência Artificial associada à Realidade Aumentada

Talvez a possibilidade mais ambiciosa seja a associação da realidade aumentada com Inteligência Artificial (IA).

Um exemplo de uso de IA em museus consiste no projeto “A voz da arte”, realizado na Pinacoteca de São Paulo. Por meio do Watson, tecnologia de IA da IBM, o visitante deste museu podia “conversar” com algumas obras de arte, fazendo perguntas para o aplicativo, previamente alimentado e atualizado com inúmeras informações.

A inteligência artificial permitiria a plena e livre interação do visitante com o conteúdo, totalmente adaptado ao seu perfil por meio de algoritmos. Respondendo a um breve questionário, o algoritmo determinaria qual base de dados acessar, levando-se em consideração idade, língua, grau de escolaridade, interesses manifestos e até necessidades particulares, como deficiência cognitiva, autismo ou dislexia.

Ao longo da experiência, o aplicativo poderia, ainda, ajustar-se ao usuário, levando em consideração até mesmo o seu sotaque e regionalismos, tendo em vista que no Brasil vigoram diversos vocabulários. Talvez aí estejamos, realmente, falando em um desenho universal.

Contudo, a adoção de tais tecnologias requer dispendiosos recursos, tanto humanos, quanto financeiros, por parte dos museus. Demandam, por fim, avaliar os riscos associados aos algoritmos, como a formação de “bolhas”, a propagação de preconceitos de quem o programou e o reforço do viés de confirmação.

Clique na imagem para assistir ao vídeo

Reflexões

Segundo o relatório TIC Cultura 2020, apenas 32% dos museus brasileiros possuíam website próprio, sendo outros 24% abrigados em websites de terceiros. Pouco mais da metade (56%) estavam nas redes sociais e 25% disponibilizavam acervo digital na Internet para o público . No Brasil, portanto, o uso de recursos digitais e a presença on-line dos museus ainda é bastante precária.

Dentro deste contexto, intervenções como o MASP Labels by Webmuseu, que não sejam experiências temporárias espontâneas, mas projetos permanentes baseados em softwares livres, podem colaborar com as instituições museais, ampliando o seu potencial de inclusão de maneira rápida, gratuita e sustentável. As diversas tecnologias assistivas, dentre estas a realidade aumentada, potencializam a acessibilidade nos museus de arte, especialmente quando nos deparamos com uma expografia radical, como os cavaletes de cristal do MASP.

Entendemos, ainda, que os museus precisam caminhar, cada vez mais, para a abertura de seus acervos e disponibilização ampla e livre de seu conteúdo na web, espaço onde o protagonismo é democratizado pelos inúmeros recursos gratuitos atualmente disponíveis no ciberespaço.

Por fim, os aplicativos de realidade aumentada, storytelling, audioguias, gestão de informação na web, permitem dar voz aos excluídos, às minorias, bem como oferecem conteúdos alternativos à retórica oficial. Estes conteúdos podem ser intervenções colaborativas (como nosso experimento no MASP) ou mesmo críticas, como o Feminist Museum Hack e MoMAR, discutidos no meu capítulo de livro.

No caso dos hacktivismos, colocam dentro dos museus reflexões acerca da elitização da curadoria, sexismo, racismo estrutural manifesto na linguagem das legendas, olhar eurocêntrico e demais tópicos que envolvem os estudos decoloniais.

Contribuem, ainda, para o processo de repatriação virtual das coleções que, habitando tantas vezes os museus internacionais, podem aportar em suas terras de origem pelo menos através da web.

O inverso também se verifica: por meio do digital podemos intervir nos museus ao redor do planeta com conteúdo colaborativo inédito, vindo daqueles que, imbuídos de uma nova consciência, não precisam concordar, silentes, com a colonização de seu discurso.

Leia Mais

A versão impressa do livro pode ser adquirida no Brasil e o PDF do e-book pode ser baixado gratuitamente clicando aqui ou na imagem abaixo.

Notas

1 – A experiência foi realizada no app HP Reveal (vide nota 3) e não se encontra mais disponível. Contudo, alguns meses depois da nossa experiência, o MASP lançou um aplicativo do museu que contém este mesmo tipo de recurso de realidade aumentada aqui descrito.

2 – SILVEIRA, Fabrício; FROTA, Maria Guiomar; MARQUES, Rodrigo Moreno. Informação, mediação e cultura: teorias, métodos e pesquisas. Belo Horizonte: Letramento, PPGCI-UFMG, 2022.

3 – O HP Reveal era um app gratuito que permitia aos seus usuários criar perfis, curtir, compartilhar conteúdos e participar da comunidade através de experiências de realidade aumentada. Infelizmente o aplicativo foi descontinuado e, na ocasião da publicação deste capítulo, em 2022, já não está mais disponível. Consideramos esta uma grande perda, ainda que existam outros aplicativos de realidade aumentada gratuitos, como o Metaverse (vide nota 4 a seguir).

4 – O app Metaverse, além de experiências de realidade aumentada, permite a criação de quizzes e jogos. O app é gratuito e suas experiências podem ser acionadas por QR Code ou localização geográfica (GPS).

5 – Leia mais no artigo “O uso de Realidade Aumentada no contexto dos museus: o portfólio brasileiro de teses e dissertações até 2017”, de Graciela Menezes, William Vianna e Márcio Matias. Revista Em Questão, Porto Alegre, v. 25, n. 3, p. 246-268, set./dez. 2019

6 – Tecnologias assistivas são tecnologias inclusivas que proporcionam às pessoas com deficiência maior autonomia e qualidade de vida.

7 – No original: “Exhibitions are complex presentations that convey concepts, showcase objects, and excite the senses. However, as museums recognize the diversity within their audiences, they realize that exhibitions must do more: exhibitions must teach to different learning styles, respond to issues of cultural and gender equity, and offer multiple levels of information. The resulting changes in exhibitions have made these presentations more understandable, enjoyable, and connected to visitors’ lives. Accessible design must be a part of this new philosophy of exhibition development because people with disabilities are a part of museums’ diverse audience. Discovering exciting, attractive ways to make exhibitions accessible will most directly serve people with disabilities and older adults.Clique aqui para ler o manual.

Agradecimentos: Aos colegas da PPGCI, pela oportunidade de publicarmos este livro juntos. Ao MASP, por serem um dos museus de arte mais importantes do Brasil e do mundo, proporcionando a nós, pesquisadores, um espaço de experimentação e conhecimento.

Imagens: Café e tablet com montagem da capa do livro (Kaboompics.com, Pexels).

Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora na UFMG, Brasil. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama ler, desenhar, caminhar e viajar.

 

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