Durante a pandemia da Covid-19, quando entramos em um longo período de isolamento social, resolvi colocar em prática uma ideia que já vinha pensando há algum tempo: elaborar estudos bíblicos domésticos para nossos pequenos.

Esta demanda surgiu pela constatação de que, tanto nas atividades presenciais das igrejas evangélicas, quanto nos conteúdos on-line, a escola bíblica dominical (EBD) infantil costuma ser muito centrada nas histórias do Velho Testamento. Além disto, não raro esses textos são apresentados dentro da perspectiva literalista da Bíblia. Com frequência, não possuem aplicação prática para o nosso contexto e não conversam com outros aspectos da vida intelectual cotidiana, como música, arte, cultura, filosofia, política, literatura, tecnologias digitais etc.

Recordo-me, por exemplo, de um acampamento infantil da nossa antiga igreja, no qual o Velho Testamento era apresentado de forma espetacular, quase que cinematográfica. O material era preparado com antecedência ao longo de meses, com cenários e fantasias.

Certa noite do acampamento, o tema era a sarça ardente (Êxodo 3). Os organizadores apagaram o sítio inteiro, colocaram as crianças em um cordão de isolamento. E o teatro começou.

Moisés caminhava quando, de repente, uma pequena árvore adiante começou a pegar fogo… literalmente!1 Moisés se aproximou a uma distância segura. No sistema de som do acampamento, “Deus” disse com voz imponente: “Moisés, tire as sandálias, pois o lugar onde você está é terra santa!” Moisés tirou suas havaianas e se ajoelhou, chorando de verdade. Alguns monitores e crianças choravam também, emocionados. E Moisés prosseguiu conversando com Deus acerca do seu comissionamento para libertar o povo da escravidão.

Em seguida, uma música retumbante soou por todo o acampamento. Ao longe, no alto da montanha, uma tropa de soldados egípcios se aproximava, urrando com violência. Não era possível enxergá-los bem no escuro, apenas avistar o brilho flamejante de suas tochas. Moisés se levanta e, em tom heroico, volta-se para o povo (no caso, centenas de crianças estarrecidas) e diz que Deus os daria a libertação e a vitória. Monitores e crianças gritam eufóricos e começa a brincadeira da noite: polícia e ladrão, com as crianças fugindo dos soldados do faraó.

Acho dispensável dizer que as crianças mais velhas surtaram de felicidade com o teatro e com a subsequente correria. Já as crianças menores, de cinco anos de idade, por exemplo, agarravam, em prantos, as pernas das monitoras de seu dormitório, apavoradas com o pega-pega. Precisaram ser levadas para dormir mais cedo.

Conto este exemplo com riqueza de detalhes, porque, no caso, o Moisés era o meu esposo, então noivo. E uma das jovens monitoras do quarto de meninas de cinco anos era eu.

De vez em quando me recordo deste acampamento, bem como do tempo em que fui professora voluntária de artes na comunidade Pedreira Prado Lopes, numa creche cristã em Belo Horizonte. Penso no quanto eu própria não contribui para consolidar as bases do fundamentalismo cristão e para que meus alunos fizessem aos seus pais perguntas similares a que meu filho me fez há algum tempo:

Mamãe, Deus matou mesmo os bebezinhos dos animais num dilúvio?

Ele estava pensando nos animais, porque ainda não tinha lhe ocorrido que a história, se levada ao pé da letra, incluía bebezinhos humanos! Assim, minha reflexão sobre o conteúdo das escolas dominicais nas igrejas e nos ambientes on-line é, principalmente, uma autocrítica.

Hoje, possuindo uma perspectiva diferente do Evangelho e, ainda, como mãe, sinto falta de um conteúdo para crianças que tenha uma abordagem integral da vida cristã, focada no Novo Testamento e naquilo que tem uma importância fundamental na Bíblia: a fé e o amor. Infelizmente, não encontrei muita coisa neste sentido.

Não sinto que tenha vocação para o ministério infantil, ainda que tenha trabalhado um pouco nele como voluntária, no passado. Este é um dos grandes problemas, aliás: a demanda e a presença de professores para crianças nas igrejas é grande, mas aqueles efetivamente capacitados para isto são poucos. Ainda mais sob uma perspectiva não literalista.

Assim, nossa escola dominical doméstica surgiu por força da necessidade, amplificada pela pandemia. Compartilho com os leitores os estudos que já ministramos para nossas crianças, pois podem ser úteis a outros pais. Já vinha divulgando este material anteriormente, em pdf, mas no blog ficará mais acessível.

Professora Ana (qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência), médica e cientista Laura (está pesquisando a vacina contra a Covid-19) e maestro Joaquim (um músico de gosto eclético, entusiasta de tecnologias digitais).2

É importante ressaltar que, ao contrário das demais publicações deste blog, que foram escritas pensando no leitor, estes estudos têm um único público-alvo: nossos filhos. Fiz alguma modificação aqui e ali nos roteiros, excluindo coisas pessoais da nossa família, mas apenas isto.

Portanto, é essencial que os pais façam a adequação do material à idade e realidade das suas crianças. Não nos furtamos de abordar assuntos polêmicos e difíceis, desde que nossos filhos já tenham feito perguntas a respeito anteriormente. Deste modo, os pais podem adiar alguns estudos que falem sobre temas que suas crianças ainda não se questionaram.

Os alunos da escola dominical: Lucas (um menino alegre e esperto, que vai ensinar inclusão para as crianças) e Sofia, a Fifi (uma menina inteligente que ama a natureza e as artes).

Também utilizamos exemplos de cristãos que nem sempre podem ser considerados “modelos” em tudo, mas que justamente por isto nos permitem refletir sobre seus erros e acertos, combatendo a visão dualista “bem x mal”, “nós x eles”, tão comum no meio evangélico. Pessoas boas fazem coisas ruins e vice-versa, como nós bem sabemos. E podemos aprender com ambas as vivências.

Por fim, as peças e materiais gráficos possuem um caráter lúdico, mas não necessariamente infantil, adotando preferencialmente fotografias e obras de arte como ilustração, em vez de desenhos ou cliparts. A ideia é já ir introduzindo as crianças no universo estético dos adultos e, com isto, educando o olhar.

Os estudos bíblicos serão publicados aos poucos no caderno Escola Dominical deste blog. Espero que suas crianças sejam abençoadas e que se divirtam com este material tanto quanto as nossas. Apesar dos tempos difíceis e das minhas limitações com o público infantil, estou gostando bastante de preparar e ministrar nossa escola dominical familiar!

Jardins no deserto de Isaías 58:11 (esquerda), o polêmico missionário que virou artista Van Gogh (direita) e avatar da professora Ana levando as crianças para visitar museus e espaços didáticos no Second Life (abaixo).

Notas

1 – Foi um sistema bem engenhoso que os monitores montaram para colocar fogo de verdade nesta “sarça” no acampamento. Não vou replicar aqui o processo, pois tenho receio de que alguém resolva fazê-lo. As tochas dos soldados egípcios também eram de fogo real. Na época deu tudo certo, ninguém se feriu, mas acho bastante temerário que tenhamos corrido este risco. Com a maturidade e a maternidade, minha visão daquele acampamento é bem diferente hoje.

2 – Fantoches customizados mediante encomenda, confeccionados por Retalhos e Sonhos – Elo7.

Boneco do Van Gogh feito por Hello Hello – Elo 7.

Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e Paulo Rocha, pelos preciosos comentários e sugestões.

Imagens: Casinha de giz (Mick Haupt, Unsplash), Bonecos e Bíblia (Congerdesign, Pixabay). Demais imagens de Ana Cecília Rocha Veiga.

Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora na UFMG, Brasil. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama ler, desenhar, caminhar e viajar.

 

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