Quatro reflexões sobre a missão estudantil: Uma palavra aos cristãos da ABU

A Aliança Bíblica Universitária do Brasil (ABUB ou simplesmente ABU) é uma organização missionária cristã filiada à Comunidade Internacional de Estudantes Evangélicos (IFES).

Os missionários — abeuenses — são em sua maioria, estudantes voluntários que organizam grupos de estudos bíblicos e demais atividades evangelísticas no ambiente escolar e universitário.

Em abril de 2022, aconteceu o primeiro culto dos abeuenses de Belo Horizonte após o retorno da UFMG para às atividades presenciais. Foram dois anos de ensino remoto e isolamento social, decorrentes da pandemia de Covid-19.

Tive a alegria de ser convidada para ministrar a palavra neste culto. Compartilho aqui com os leitores e leitoras um resumo desta mensagem.

1 – A fé dos próprios abeuenses, mais do que nunca, também faz parte da missão estudantil.

Uma preocupação do movimento sempre foi de que a ABU não se tornasse um club privé, um encontro de “iniciados”. Frases como “não podemos nos fechar em nós mesmos”, “nossa missão é o evangelismo”, “não somos um grupo voltado para crentes” aparece com frequência nos treinamentos da liderança.

Entendo que isso seja importante, na medida em que a presença exclusiva de cristãos nos grupos não deva ser o objetivo principal. O termômetro para sabermos se estamos atentos à isto é a maneira como recebemos nossos convidados não cristãos e se ficamos felizes com sua presença. Afinal de contas, as reuniões nas escolas e universidades são voltadas para eles!

Creio, ainda, que um grupo da ABU, mesmo que não cresça, mas permaneça, é uma grande bênção e uma parte importante da missão estudantil.

Vivemos dias maus. Manter-se na fé e no lado certo da história nunca foi tão difícil, pelo menos é essa a minha sensação.

A ABU não substitui a igreja, nem o caminhar de cada um com Deus. Mas fazer parte da ABU pode ser um ponto de apoio espiritual, emocional e teológico importante na jornada de fé do estudante no ambiente acadêmico.

Nosso Deus e Pastor amoroso não quer que nenhuma ovelha se perca. Nesse sentido, se vocês estão conseguindo se manter olhando para Cristo, isso certamente é uma grande bênção.

2 – Nossa missão não pode ser focada em resultados visíveis e métricas quantitativas.

Pensando agora na missão principal da ABU – estudante alcançando estudante – também é importante não medir o sucesso por métricas quantitativas.

Num mundo impaciente e focado em aparências, há uma pressão cada vez maior, inclusive no meio evangélico, para se alcançar resultados visíveis: número de convidados nos grupos, acampantes, convertidos e por aí vai. E isto é um perigoso equívoco.

O professor que você impactou hoje, com o seu testemunho em sala de aula, pode se converter quando você já estiver formado. O colega de sala, o convidado não cristão, pode ter um encontro com Jesus anos depois. E uma única pessoa convertida pode, no futuro, tornar-se um pescador de muitos homens e mulheres. E essa semente, talvez, tenha sido você quem plantou!

Sei que isso é bastante repetido na ABU, mas não custa reforçar: um planta, um rega, outro colhe. E nós não sabemos o tempo ou o nosso lugar nessa equação. É um segredo reservado para a Eternidade.

3 – O amor de Cristo é mais fácil de ser comunicado no olhar e no abraço do que no like.

Faço parte da geração dos que não são nativos digitais. Ou seja, vi o antes e o depois: um mundo sem Internet e um planeta on-line. Neste sentido, isso me coloca numa posição na qual é possível analisar, a partir da minha própria experiência pessoal, os prós e contras dessas transformações.

A Revolução Digital trouxe inegáveis benefícios para nossas vidas. Parte importante das minhas pesquisas são sobre Tecnologias da Informação e Comunicação, Web, softwares de gestão, algoritmos e por aí vai. Talvez por isso mesmo eu tenha tanta consciência dos perigos digitais ocultos que nos espreitam.

Estamos enfrentando desafios terríveis, como a perda de privacidade, disseminação de fake news, compulsão digital, crescimento do individualismo e da solidão.

O Brasileiro lidera as estatísticas mundiais, permanecendo cerca de 5,4 horas por dia em seus celulares. (Mais estatísticas e relatórios estão disponíveis no meu texto Vivendo sem WhatsApp e sem Telegram)

O cérebro fragmentado dos estudantes não consegue mais se concentrar para ler um texto difícil e longo, pois está acostumado com uma miríade de estímulos intensos: vídeos, imagens, mensagens de texto, postagens de redes sociais, notícias sensacionalistas que apelam para o nosso medo primitivo. Conteúdos com alto poder de engajamento, que provocam emoções fortes, sejam elas negativas ou positivas.

O resultado de tudo isso é que a grande maioria não tem mais momentos de solitude e reflexão interior. Não têm silêncio suficiente em suas vidas para que possam ouvir a voz de Deus. E mesmo quando desligam tudo, não conseguem se concentrar numa leitura ou orar, porque seu cérebro já está por demais viciado nesses estímulos.

Um experimento das universidades de Harvard e Virgínia revela que a maioria das pessoas, especialmente jovens, preferem dar choques em si mesmos a ficarem sozinhos, sem estímulos, em uma sala por 15 minutos. (Relato com mais detalhes este experimento no meu texto sobre produtividade acadêmica e vício digital.)

Clique na imagem para ler o texto Produtividade Acadêmica e Vício Digital: o abismo entre os que dominam as novas tecnologias e os que são dominados por elas.

Diante disso tudo, ainda mais depois de quase dois anos de pandemia, nos quais nos isolamos e fomos lançados compulsoriamente para as telas, é importante relembrarmos que nossa missão é muito mais efetiva no presencial.

O virtual não substitui, com igual eficácia, o seu testemunho diário e o seu amor manifesto no olhar, no abraço, no ombro amigo. O que nos leva ao último ponto…

4 – Coerência e amor: viver a nossa fé é a nossa melhor pregação para o mundo.

As pessoas podem tentar silenciar a nossa voz, por exemplo, não abrindo espaço para que compartilhemos nossas experiências com Cristo. Algumas escolas e universidades podem tentar até mesmo proibir que atividades e reuniões aconteçam.

Na contramão de importantes cientistas e filósofos ateus ou agnósticos, que reconhecem que a ciência não pode provar a existência (ou não) de Deus, alguns professores e colegas se acham no direito de serem agressivos com os estudantes cristãos. Como se fôssemos incultos, contrários à lógica e à metodologia científica. Desconhecem, entretanto, que um dos lemas da ABU é Fé que pensa, Razão que crê.

Sou a favor da universidade pública e do Estado laicos. Mas a Universidade é laica, não é ateia.

Neste sentido, no meu entendimento, liberdade seria abrirmos as portas para todos, não o contrário: impedirmos que as ideias circulem e sejam debatidas, sejam elas vinculadas ou não à religião.

Cartazes na porta da faculdade de arquitetura do MIT: um evento promovido pela Sociedade Secular do MIT sobre ateísmo, à esquerda, e outro evento sobre Ciência e Religião, à direita. Foto: Ana Cecília Rocha Veiga, 2019.

O fato é que nem todos terão clareza de que o diálogo intelectual saudável é crucial para o desenvolvimento do conhecimento e da democracia. Enfrentaremos obstáculos diversos em nosso caminho. E, às vezes, como Cristo diante de Pilatos, a melhor atitude pode ser sim, o nosso silêncio, não o confronto.

Contudo, há uma poderosa pregação que ninguém jamais conseguirá calar ou impedir: a nossa própria vida! Quando temos coerência entre prática e discurso, as pessoas ao nosso redor podem sentir o amor de Deus em nossos corações.

Nossas atitudes gritam tão alto que as pessoas, tantas vezes, não conseguem escutar aquilo que dizemos. A nossa maior missão, portanto, o nosso melhor resultado para o mundo é aquilo que fazemos e somos. Neste sentido, é impossível impedir esta missão!

Notas

Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga, Paulo Rocha e todos os que me deram seu precioso feedback, obrigada pelos comentários e sugestões. Agradeço também à Diretoria da ABU-BH pelo convite para ministrar no culto e, ainda, louvo a Deus por todos os estudantes envolvidos nesta maravilhosa missão.

Imagens: Montagem Mundo e Logos (Artem Podrez, Pexels, Imagem 1, Imagem 2), Cérebro vermelho e celular (Ildar Abulkhanov, iStock), Cartazes no MIT (Ana Cecília Rocha Veiga), Bíblia e Céu (Jessica Delp, Unsplash).

Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora na UFMG, Brasil. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama ler, desenhar, caminhar e viajar.

 

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