Confesso que fiquei obcecada por um tempo em consumir documentários e conteúdos de pessoas que se dizem diagnosticadas com transtorno de personalidade narcisista, além de outros transtornos, como sociopatia e psicopatia.
Quanto mais assistia a tudo aquilo, mais estarrecida ficava com a constatação da gravidade do problema. Tanto em nossas próprias vidas diárias, quanto na sociedade como um todo.
Comecei a ter pesadelos. Sonhei uma vez que tinha um psicopata vestindo uma longa capa preta me perseguindo de madrugada, em meio às ruas desertas de Londres. Acordei ofegante, antes que ele me pegasse. E por um triz não viro cadáver de livro sobre Sherlock Holmes. Essa noite, testemunhei o raiar do sol, sem conseguir pregar os olhos direito.
Noutra ocasião, assisti a uma entrevista chocante sobre serial killers que enganaram a família, os vizinhos e os colegas de trabalho por anos, até serem pegos pela polícia. Fiquei tão impressionada e estava tão tensa, que decidi ouvir um pouco de música antes de dormir, para relaxar.
Eu estava em pé no nosso quarto, no escuro, selecionando as músicas, quando me viro e me deparo de repente com a seguinte cena…
Meu esposo logo atrás de mim, com cara sonolenta. Seu rosto iluminado de baixo para cima pela luz bruxuleante do celular. Parecia aquelas iluminações dramáticas de filme de terror. Com a música no fone, não o ouvi se aproximar de mim e tomei um susto horrível.
Eu dei um grito tão Halloween que certamente meus leitores ouviram na Europa! (Lembram aquele urro horrível? Sim… era eu.) Quase matei Beto do coração.
Digamos que ele não tenha ficado lá lisonjeado quando contei por que estava tão nervosa. Beto me aconselhou a não ficar assistindo essas coisas antes de ir para a cama. E fui obrigada a concordar. Afinal de contas, naquela noite eu simplesmente não consegui nem fechar o olho.
Lá pelas três da madrugada, após horas olhando para o teto, decidi tomar um calmante. Era só o que me faltava! Dois anos presa em casa durante a pandemia e, até onde me lembro, nenhum sonífero sequer. E agora, narcs e psicopatas me fazem cair nas “drogas”!
O fato é que documentários e conteúdos sobre ou produzidos por narcisistas e psicopatas podem ser chocantes, explícitos, vulgares, polêmicos, politicamente incorretos e, algumas vezes, assustadores1. Portanto, se decidir embarcar neste caminho, é por sua conta e risco! “Você foi avisada, Miranda…”
O que me leva à pergunta do título: Deveríamos consumir esse tipo de coisa? E mais ainda, eu deveria referendar este tipo de conteúdo no meu blog?
Não obstante a relutância em dar suprimento virtual, audiência e dinheiro para essas pessoas de intenções nebulosas, entendo que a autoconsciência é o primeiro passo para a busca por terapia e tratamento médico.
Então, conteúdos de narcisistas e psicopatas podem inspirar outras pessoas com os mesmos problemas a se reconhecerem e a buscarem ajuda. Muitos destes narcisistas on-line afirmam estar sob acompanhamento psicológico e psiquiátrico. E vivendo uma vida mais harmoniosa com seus familiares e com a sociedade.
Se for verdade, isso é ótimo. Narcisistas e psicopatas também são seres humanos. E a esperança é a última que morre. Assim, isso me dá algum alento.
Mas ainda que o que eles digam não correspondam exatamente aos fatos, afinal de contas, psicopatas e narcisistas são mentirosos compulsivos, trazer à tona a discussão sobre saúde mental já é alguma coisa.
Em termos do meu próprio benefício, atrai-me a forma incisiva e transparente com que estas pessoas diagnosticadas costumam abordar o tema. A grande diferença dos seus conteúdos não é tanto as informações, o que dizem sobre narcisismo e psicopatia, mas como dizem: em primeira pessoa.
O motivo pelo qual estou obcecado com você é porque você é minha propriedade. Um brinquedo que uso para obter o que eu quiser, manipular como eu quiser, tratar como eu desejar. Você é uma coisa que me pertence e que eu não empresto para ninguém. E me irrita que alguém mais esteja brincando com você e não eu.
O que eu quero de você? Eu quero só brincar. Quero que você seja minha escrava inferior.
Eu boicoto a sua carreira fazendo “isto e isto”.
Eu difamo você no trabalho usando meus macacos voadores “dessa e daquela” forma.
Eu desprezo a sua simplicidade e o seu contentamento com a vida. E não vou parar até destruir sua felicidade.
E por aí vai. Deu para ter uma ideia.
Enquanto ouvia esses narcs falarem, rostos apareciam na minha frente, como se eles fossem a voz interior de pessoas reais que considero narcisísticas: políticos, celebridades, personalidades públicas, intelectuais e até, enfim, pessoas do meu convívio também, infelizmente. Já confessei aqui que vivo na Narcisolândia.
Indo mais fundo… Alguns vídeos do psicopata narcisista israelense2 são tão autobiográficos para mim, que se eu trocasse a palavra “narcisista” por nomes reais, seria tudo verdade. No começo, foi bastante difícil escutar o que ele diz. O grau de identificação com alguns conteúdos foi perturbador.
É chocante pensar que uma pessoa em Israel, do outro lado do mundo, é capaz de descrever, em detalhes, dinâmicas que estão acontecendo comigo no Brasil. Isso me fez acreditar que, de fato, estamos falando de padrões psicológicos que podem ser identificados, diagnosticados e estudados.
Marcou-me especialmente uma sequência de conteúdos que escutei, de diversas fontes, sobre narcisistas cerebrais. Finalizei a sequência com um áudio do narc britânico3 descendo a lenha neste tipo de narcisista.
O negócio foi tão forte que terminei até tonta. Fiquei algumas horas me sentindo literalmente nauseada.
Meu esposo, então, perguntou: “Ana, por que você está fazendo isso com você mesma? Se não está te fazendo bem, não escuta essas coisas!”
Respondi para ele… “Laranja mecânica!” 5 Em referência ao clássico filme homônimo, no qual o protagonista recebe polêmicos tratamentos de “choque” para cair na real.
Não consegui assistir a esse filme, pois me pareceu muito violento logo de cara. Mas é o apelido que dei para este processo. Não recomendo para todos, cada pessoa vai reagir de modo diferente a esse tipo de abordagem controversa.
Funcionou para mim. Posso dizer que finalmente caiu a ficha. Chamemos esta Laranja Mecânica de “trauma do bem”.
Como assistir documentários e conteúdos de pessoas diagnosticadas com transtornos mentais foi importante para mim, acho uma questão de honestidade intelectual mencionar isso aqui no blog. Foi uma parte essencial no meu processo de conscientização sobre narcisismo, psicopatia e comportamentos tóxicos.
Você gosta de brincar com fogo como eu? Então, assista esses narcs falando como eles agem e constate o perigo de uma possível queimadura de terceiro grau. Em primeira pessoa!
Espere passar algumas noite insones por conta disso. Efeito colateral do “tratamento”.
Notas
1 – Conteúdos produzidos por Narcisistas e Psicopatas
Veja aqui alguns exemplos de conteúdos produzidos por narcisistas e/ou psicopatas confessos. Novamente, aviso, é por sua conta e risco…
Obs: Os vídeos estão em inglês. No YouTube, acione as legendas e depois, na engrenagem, vá em legendas novamente e escolha a tradução automática para o seu idioma nativo, se desejar.
Se o narcisista fosse honesto sobre a “relação” de vocês – Prof. Sam Vaknin
Inveja do seu Contentamento – HG Tudor, Knowing the Narcissist
Ultra Malícia: Eu quero – HG Tudor, Knowing the Narcissist
Ele não liga para você. O narcisista na sua vida não liga para você – Ben Taylor, Raw Motivations
Obcecado com você: A necessidade do narcisista por controle – Ben Taylor, Raw Motivations
Por que alguns narcisistas não te deixam em paz e nem deixam você ir – Lee Hammock, Mental Healness
2 – Sam Vaknin
Sam Vaknin é um dos pioneiros na produção de livros e conteúdos sobre narcisismo.
Ele era um garoto prodígio e chegou a ser um homem de sucesso no mundo financeiro, até que foi preso por crimes do colarinho branco. E, na prisão, finalmente confirmou seu diagnóstico.
Segundo seus relatos, ele é um psicopata narcisista. Seus escritos e vídeos são ácidos, politicamente incorretos e trazem suas teorias próprias (e bastante polêmicas) sobre diversos assuntos.
3 – HG Tudor
HG Tudor é um pseudônimo. Ele é uma espécie de Elena Ferrante do mundo narc.
HG não aparece nos seus vídeos. E sua voz forte com charmoso sotaque inglês provavelmente é alterada digitalmente. Caso contrário, seria bem difícil manter o anonimato por tanto tempo.
As discussões sobre sua real identidade nos fóruns são hilárias. As suposições vão desde ele ser uma velhinha que se passa por homem a um drogado americano que se passa por inglês.
HG se diz diagnosticado com psicopatia e transtorno de personalidade narcisista. O modo como ele critica diariamente, sem a menor misericórdia, aquele casal de celebridades “semi-real” (Harry e Meghan) indica que, de fato, estamos falando de alguém desprovido de empatia.
HG Tudor não se diz arrependido de suas manipulações como narcisista psicopata. E deixa bastante claro que faz conteúdos sobre narcisismo para obter benefícios próprios.
Seus livros e vídeos são extremamente ácidos e politicamente incorretos.
5 – Laranja Mecânica: A Clockwork Orange, Direção de Stanley Kubrick, 1971. Baseado no romance homônimo de 1962, escrito por Anthony Burgess.
Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e todos os que me deram seu precioso feedback. Aos autores, pesquisadores e produtores de conteúdo sobre narcisismo, psicopatia, comportamentos tóxicos na gestão trabalho, por abrirem meus olhos para esta questão tão crucial.
