Jogos Mentais Perigosos e Narcisismo: Não responder mensagens, ghosting, zombieing e “quente e frio”

Categorias: Narcisismo
Tags: abuso narcisístico, ghosting, jogos mentais, narcisismo, splitting, tratamento de silêncio, zombieing
Primeira postagem: 16 novembro, 2024
Tablet numa mesa, com a tela mostrando um tabuleiro, e peças de xadrez em cima do tablet.

Neste texto, discutiremos os jogos virtuais que narcisistas, psicopatas ou pessoas tóxicas fazem em suas comunicações on-line nos diversos tipos de relacionamento: românticos, sociais, familiares, profissionais etc. Em especial, falaremos de quatro deles:

  • Não responder: Quando a pessoa ignora suas mensagens de forma inapropriada. Ou responde somente algumas mensagens. Esta intermitência é geralmente utilizada para fins de adestramento, punição ou demonstração de “superioridade”.
  • Ghosting: Quando a pessoa some inesperadamente, sem dar nenhuma pista anterior de que o relacionamento estava se encerrando. A pessoa pode ainda bloquear a vítima de todos os seus canais de comunicação on-line, impedindo que ela tente tirar satisfações pelo sumiço. Ou seja, a pessoa some de repente, sem dar nenhuma explicação. Ghost, em inglês, é fantasma.
  • Zombieing: Quando a pessoa dá o ghosting no outro e retorna um tempo depois agindo como se nada tivesse acontecido. Zombie em inglês significa zumbi. Se esta pessoa for narcisista, o que é bem provável, isto nada mais é do que um hoovering: sugar a vítima de novo para o ciclo de abuso.
  • Quente e frio: Quando o conteúdo das mensagens de uma pessoa alterna drasticamente e de forma tóxica entre positivo e negativo. Entre o super elogio e a crítica severa. Entre a intensidade da troca de mensagens e o silêncio. A pessoa vai do céu ao inferno com muita rapidez e sem muita explicação lógica. Este tipo de jogo mental usa o reforço intermitente para criar laços traumáticos (trauma bond) e prender a pessoa emocionalmente nesta montanha-russa.

Mas antes de entrarmos nas dinâmicas tóxicas, vamos conhecer alguns parâmetros saudáveis.

Dinâmicas virtuais saudáveis

Quando estamos conhecendo alguém, seja profissional ou socialmente, é normal que no começo a comunicação virtual seja estranha, intermitente, esparsa ou fria. Isso pode não significar nada demais, apenas um começo confuso.

Por exemplo, já vivi mais de uma situação em que mandei e-mails para pessoas que não me conheciam e elas não me responderam. Então, dei um tempo e depois tentei novamente. Lá pelo terceiro e-mail, recebi uma primeira resposta. A conversa evoluiu gradativamente até virar parcerias de trabalho ou amizades.

Isso pode acontecer. Alguém não te respondeu a princípio, ou respondeu de forma intermitente, mas depois mudou de ideia e percebeu que havia potencial ali para um relacionamento. Mas nos casos bem-sucedidos, noto que houve uma evolução crescente, não houve sumiços estranhos, nem altos e baixos inexplicáveis.

Ou seja, o contato foi progredindo em um desenrolar compreensível, lógico, dentro do esperado. As regras do jogo pareciam claras. O afeto e a intimidade sempre aumentavam, não retrocediam abruptamente e nem deixavam dúvidas estranhas no ar.

Vamos ver três exemplos de dinâmicas saudáveis:

  • Encerramento: A comunicação eventualmente se encerrou, porque a pessoa não teve interesse em formar uma parceria ou amizade comigo. Mas tudo aconteceu de forma respeitosa. Recebi uma negativa educada e pronto. Ou a pessoa foi se tornando mais esparsa e lacônica nos e-mails, o que é um sinal de que pretende encerrar o diálogo. Então, parei de insistir e não levei para o pessoal, porque não é pessoal de fato: a pessoa nem me conhece! O mundo é grande, outras oportunidades virão.
  • Patamar Amigável: A comunicação atingiu um patamar amistoso e saudável, mas não intenso. Ou seja, aquela parceria, amizade, contato etc. atingiu seu ponto máximo e estabelecemos uma dinâmica de contato eventual. Por exemplo, um profissional com quem tenha trocado alguns e-mails interessantes. E, vez ou outra, quando preciso dele ou ele de mim, entramos em contato. Ou quando nos encontramos em eventos e congressos, somos gentis e atenciosos um com o outro.
  • Aprofundamento: A comunicação evoluiu para algo mais sério e profundo. Por exemplo, uma amizade virtual que se tornou presencial. Uma troca de e-mails com um professor que virou um convite para participar de um congresso. Uma conversa com um profissional que virou um trabalho em conjunto. E por aí vai.

Seja como for – encerramento, patamar ou aprofundamento – a dinâmica foi natural. Ainda que a comunicação tenha começado de forma truncada, evoluiu ao longo do tempo como o esperado entre pessoas maduras e saudáveis emocionalmente.

Mas nem sempre isso acontece. Às vezes nos vemos em situações em que a pessoa não responde nossos e-mails ou mensagens, quando na verdade deveria responder.

A normalização social do sumiço virtual

Deixar de responder mensagens se tornou um comportamento socialmente normalizado. Sumir de vez sem dar nenhuma satisfação também, o chamado ghosting. Não estou defendendo esta normalização, pelo contrário. Estou constatando um fato.

Se algo realmente significativo está acontecendo entre duas pessoas, não responder ou sumir de repente é simplesmente inaceitável! Exemplos: quando as pessoas trabalham juntas, quando alguém está aguardando alguma resposta, se duas pessoas saíram para jantar e há a expectativa de um segundo encontro, uma mentoria ou orientação acadêmica em andamento etc.

Nestes casos, dar o ghosting é uma baita falta de educação e com certeza é uma bandeira vermelha para narcisismo, psicopatia ou comportamentos tóxicos. E no ambiente de trabalho, é falta de ética profissional.

Sejamos adultos e enfrentemos a saia justa de dar uma resposta, mesmo que seja um “não”. Na verdade, as pessoas ficam muito mais chateadas e ofendidas com o sumiço ou o silêncio, do que com uma negativa.

Se uma pessoa fez uma entrevista de emprego conosco, merece saber o resultado, mesmo que seja um “não”. Se o resultado vier junto com um feedback gentil e honesto, melhor ainda.

No contexto de amizade ou de relacionamentos românticos, se decidimos sair com alguém, mas não queremos um segundo encontro, é justo que a pessoa saiba disso através de um telefonema. Ou, no mínimo, um áudio ou mensagem de texto educada.

Se estamos fazendo um orçamento com algum profissional, mas decidimos fechar com outro, o profissional merece saber que não iremos utilizar os seus serviços. Até para não ficar na pendência de prever aquele serviço no seu cronograma.

Se estamos trabalhando com alguém, algum canal de comunicação on-line permanente e confiável precisa existir entre nós. Preferencialmente, o fórum de um software de gestão, que é checado e respondido em dias úteis, no horário combinado pela equipe.

Não responder num contexto de trabalho precisa ter uma justificativa muito séria: doenças graves, imprevistos realmente complicados etc.

No texto Gestão do E-mail falo sobre como organizar a sua comunicação virtual, de modo com que você não se sinta sobrecarregado por ela.

Agora, se a coisa não chegou a esse patamar, se foi apenas um princípio de conversa on-line sem maiores desdobramentos presenciais ou emocionais, tornou-se lugar comum tomar um ghosting.

Mas e aí? Nestes casos de laços mais frágeis, quando a conversa ainda estava bem no início e nada de especial aconteceu, quem nos deu o ghosting é necessariamente uma pessoa tóxica ou narcisista?

Toda pessoa que dá o ghosting é narcisista ou tóxica?

Não responder mensagens e e-mails, ou dar o ghosting sumindo de vez, é uma forma preguiçosa e até covarde de lidar com qualquer situação. Seja na vida pessoal, seja na profissional. Mas não necessariamente significa que a pessoa seja tóxica.

Pode ser que a pessoa tenha dificuldades de falar “não” ou medo de conflitos. Pode ser apenas imatura ou ainda meio egoísta, achando que é você quem precisa “adivinhar” que não vai rolar. Mas mesmo nestes casos, o fato é que você não importa o suficiente para que a pessoa enfrente este desconforto.

Num cenário mais justificável, a pessoa pode estar passando por um problema grave, uma doença séria de um parente ou um burnout. Aí não está faltando empatia por parte da pessoa, está faltando saúde emocional e tempo para lidar com a comunicação virtual com a polidez que se espera.

Quando retomar as rédeas de sua vida, a pessoa vai te pedir desculpas efusivamente e aquele evento será uma exceção na comunicação on-line de vocês, não a regra. Desconfie se esses sumiços acontecem o tempo todo, com desculpas que parecem cada vez mais esfarrapadas.

Os casos em que há uma justificativa compreensível para um silêncio costumam ser absurdamente raros. Em geral, a pessoa não te respondeu mesmo, porque não quis.

Seja qual for o motivo, todo ghosting ou silêncio é um recado.

Não racionalize o acontecido com desculpas do tipo: “a bateria dela acabou”, “ele estava num evento o dia todo”, “ela estava viajando e não viu”, “ele é muito ocupado”, “ela recebe e-mails demais, não dá conta de responder todo mundo”.

A menos que a pessoa esteja numa UTI ou numa vila no meio da floresta Amazônica, passar muitas horas sem responder, ou mesmo dias ou semanas, significa que a pessoa não quer se relacionar com você como você gostaria ou acha que merece.

O silêncio, no mínimo, demonstra que as demandas, expectativas ou desejos neste relacionamento não são recíprocos. Você não é prioridade para aquela pessoa. Ponto final.   

Narcisistas e pessoas tóxicas adotam o “não responder” como padrão

Não responder com frequência porque se é “muito ocupado” ou porque se “recebe muitos e-mails” são as desculpas mais esfarrapadas que existem.

A menos que você seja uma pessoa ultrafamosa que lida com milhares de e-mails de fãs. E, mesmo nestes casos, existe resposta automática. Uma resposta automática gentil, agradecendo o contato, é uma forma de consideração, pois a pessoa sabe que pelo menos o e-mail dela chegou e há probabilidade do outro ler.

Mas se você não é uma celebridade ultrafamosa e sua caixa de entrada tem centenas, não milhares de e-mails, é possível responder a todo mundo de maneira super-rápida. Faça modelinhos prontos para cada tipo de demanda: elogio, crítica, pedido etc. Deste modo, responder a maioria dos e-mails vai gastar apenas 30 segundinhos.

Obrigada por (suas palavras gentis, este link interessante, este artigo, esta informação etc.).

Agradeço suas críticas construtivas, irei refletir sobre elas.”

Agradeço muito seu convite, mas infelizmente estou com muitas atividades em andamento e não poderei aceitá-lo. Contudo, fico feliz por sua lembrança.

Repetindo: demora 30 segundos dar um “copia e cola” no modelo de reposta. Se a pessoa não respondeu, é porque você não vale 30 segundos para ela. Ou você vale muito mais do que isso, mas ela está jogando com você.

Responder uma mensagem de um conhecido encerrando um relacionamento, esclarecendo que as expectativas estão desencontradas ou dizendo um “não”, leva no máximo uns cinco minutos, literalmente. É preferível uma resposta breve a resposta nenhuma.

Portanto, o silêncio significa que a pessoa considera que você não vale nem cinco minutos do tempo dela. Ou não vale a chateação que ela vai sentir ao ter que te escrever aquela mensagem.

No caso de pessoas narcisistas, o silêncio pode significar que eles pensam que você está “sob controle”. Narcisistas costumam adotar o “não responder” como padrão. Eles só respondem mensagem quando fazem o love bombing, quando querem algo de você ou para demonstrar quem tem o “poder” naquela relação.

Se a sua mensagem deixa claro que você está sob controle e o narc não está precisando de nada de você no momento, então, ele não irá se dar ao trabalho de te responder. Não há necessidade de gastar tempo com quem está “submisso”. Eles se sentem “no direito” de te ignorar, porque você não significa nada para eles!

De quebra, o silêncio ainda demonstra “superioridade” via escassez. Narcisistas querem parecer mais solicitados, notórios e VIP do que realmente são. Eles se superestimam e subestimam os outros. E isso pode custar-lhes bem caro no futuro.

Uma resposta do tipo “copia e cola”, que demora 30 segundos, pode fazer alguém feliz. E esse alguém pode ser (ou vir a ser) mais bem conectado ou mais poderoso do que o narcisista imagina.

O ex-aluno que o narcisista ignorou, mas que se tornou reitor da universidade na qual ele trabalha. O colega da mesa ao lado que virou o chefe. O ex-funcionário que denuncia o ambiente tóxico da instituição para jornalistas. O estagiário que se tornou amigo do CEO. E por aí vai. O mundo dá muitas voltas.

O grande motivador para ser gentil com as pessoas e não as ignorar deveria ser obviamente a empatia. Mas narcisistas estão tão viciados em obter o controle e suprimento, que não conseguem sequer agir de forma estratégica e inteligente. Neste sentido, vão contra seus próprios interesses e se autossabotam.

Enfim, quem tem o hábito de não responder mensagens pode até não ser tóxico. Como falei, o comportamento se normalizou tanto que perdeu um pouco do peso social. Mas, no mínimo, trata-se de alguém com empatia limitada. É muita desconsideração com o próximo este tipo de comportamento. Aceita que dói menos…

Quem com frequência não responde as suas mensagens, ou te dá o ghosting, não te respeita e nem te valoriza.

Quando o silêncio pode ser a melhor resposta

Contudo, existem algumas situações em que não responder ou dar o ghosting pode ser a melhor opção.

Por exemplo, quando alguém percebeu que está lidando com uma pessoa narcisista, psicopata ou extremamente tóxica. Então, decide entrar em Contato Zero e dá o ghosting para se proteger, porque teme a reação da pessoa. Neste caso, portanto, optou-se pelo silêncio ou pelo sumiço, porque entendeu que era a melhor forma de garantir o próprio bem-estar.

Além de dar o ghosting na pessoa tóxica, pode ser necessário romper o relacionamento com todos ao redor desta pessoa. Principalmente se eles insistem que o relacionamento precisa ser mantido (enablers, do inglês, os “facilitadores” da pessoa tóxica).

Podemos, ainda, tomar um ghosting quando estamos sendo inconvenientes.  Talvez tenhamos passado dos limites sem perceber.

Para a pessoa que nos deu o ghosting, está bem obvio que ela não quer relacionar, porque ela não te procura nunca. Ou até mesmo porque já foi explícita quanto a isso, quando você a questionou. Ela já te deu indicações claras de que o relacionamento estava chegando ao fim.

Neste caso, em que pistas óbvias sobre o desconforto com o relacionamento ou mesmo conversas francas sobre o fim da relação já aconteceram antes, não estamos falando mais de ghosting.

Ghosting é sumir sem falar nada, quando o outro acredita que o relacionamento está bem ou, no mínimo, ainda está “valendo”.

O silêncio pode ser, enfim, o jeito educado da pessoa te dizer novamente que ela já virou a página, sem ficar jogando na sua cara que você deveria fazer o mesmo.

Toda pessoa que insiste em um contato mesmo sem resposta é narc?

Nem toda pessoa que ignora nossas mensagens é narc. E nem toda pessoa que insiste é narc também. Mas há um limite saudável para a insistência, ela não pode virar um stalking.

Se você mandou duas ou três mensagens ou e-mails para a pessoa, dando um espaço entre esses envios – dias para os relacionamentos pessoais, ou semanas e meses, para os profissionais – e a pessoa não respondeu nenhum deles, siga em frente.

Se a pessoa respondeu com uma negativa, então, não insista. “Não” é uma frase completa. Não é não. Ponto final. A menos que a justificativa para o “não” tenha se alterado.

Por exemplo, você ouviu de um empregador que não havia vagas disponíveis na empresa. Mas depois de alguns meses, ficou sabendo que abriram algumas vagas. Ou você convidou alguém para sair sem saber que a pessoa tinha um namorado e recebeu um “não” por conta disto. Algum tempo depois, descobre por amigos em comum que eles terminaram.

Nestes casos, tentar novamente não me parece inapropriado. Mas um segundo “não” tem ainda mais peso do que o primeiro. Portanto, se ouvir um segundo “não” siga em frente sem insistir jamais. A vida continua. Existem muitos outros peixes no mar!

Mas se não houve um “não” explícito, só o silêncio ou respostas lacônicas, eu acredito que insistir um pouco é válido. Várias parcerias incríveis na minha carreira só se concretizaram, porque eu insisti. A insistência provavelmente ajudou a pessoa a prestar atenção em mim, inclusive. A minha persistência já me abriu inúmeras portas profissionais.

Isso vale para as amizades e relacionamentos amorosos também. A insistência do meu esposo deu em um casamento de décadas e se materializou em dois filhotes amados.

Mas há um limite para a estratégia. E este limite varia de pessoa para pessoa e até entre culturas. A insistência no Brasil, por exemplo, é muito mais tolerada do que em países mais formais, como no Reino Unido, Alemanha ou Japão.

Precisamos ligar o desconfiômetro, por mais que a gente ache que a pessoa está perdendo ao não nos dar atenção. Talvez esteja mesmo. Mas é um direito dela, concorda?

Não responder mensagens impessoais

O silêncio pode ser ainda aceitável quando a mensagem é impessoal ou uma mera formalidade. Portanto, não pede necessariamente uma resposta.

Ninguém é obrigado a responder a frase motivacional que o colega manda toda segunda no grupo de WhatsApp da empresa. Ou o emoji que sua amiga te manda toda sexta à noite com a hashtag #sextou.

Neste caso, o silêncio apenas quer dizer que a pessoa prefere não gastar tempo respondendo mensagens impessoais. Ou que ela detesta WhatsApp e só responde o que for estritamente necessário. Só isso, nada mais. Está tudo bem entre vocês.

Por fim, tem pessoas que mandam mensagens de vez em quando, dando parabéns ou desejando feliz natal, só para manter o contato.

E a razão de manter esse canal de comunicação aberto não é o amor ou amizade. É simplesmente porque ela quer algo de você: seu ouvido para aguentar ela reclamando de tudo, seu dinheiro emprestado, seu trabalho de graça, sua casa na praia, seus contatos profissionais etc.

Neste caso, deixar de responder também é aceitável, no meu entendimento. Aí se um dia a pessoa te mandar uma mensagem menos superficial, questionando por que você sumiu e não retorna mais as mensagens, você pode ser sincero.

Enfim, existem sim momentos em que o silêncio é a melhor resposta. Se a pessoa não sacar porque você sumiu e te questionar abertamente sobre isso, dê a real com educação, mas fale, não dê o ghosting.

E tenha em mente algo importante, quando isso acontecer com você e alguém desaparecer do nada…

Por incrível que pareça, existem momentos em que é ótimo tomar um ghosting! Se for uma pessoa tóxica ou narcisista, sumir da sua vida é um favor que ela te faz.

Porque o silêncio não é a dinâmica mais perigosa dentre os jogos virtuais.

O perverso jogo tóxico do “quente e frio”

Mais perigoso e perturbador do que o ghosting, é o jogo do “quente e frio”. A pessoa vai do céu ao inferno, do ódio ao amor, do desprezo à admiração. Escreve algo escabroso acabando com você. Depois te manda um áudio longuíssimo, quase um podcast, dizendo o quanto você é incrível.

Este jogo pode se manifestar de modo passivo-agressivo. Por exemplo, quando a pessoa tem respostas seletivas ou comportamentos intermitentes. Ela te responde normalmente quando você diz o que ela quer ouvir. Mas quando você coloca limites ou discorda dela, você recebe um tratamento de silêncio.

Neste caso, a pessoa está usando o silêncio para te “adestrar”. Para te condicionar a dizer ou fazer sempre o que ela quer que você faça. Ou seja, é uma arma de controle e de demonstração de “superioridade”.

É um comportamento altamente tóxico e com certeza, uma bandeira vermelha para narcisismo.

Este comportamento pode estar associado ainda ao que se denomina splitting: achar que as coisas são “preto ou branco”, sem tons de cinza. Não gosto dessas expressões linguísticas com cores, porque me parece um racismo estrutural da linguagem. Mas é como os especialistas normalmente explicam o splitting (divisão, em inglês).

No splitting, a pessoa tóxica não consegue compreender o fato de que todos nós temos qualidades e defeitos. E também sentimentos aparentemente contraditórios. Podemos amar alguém, mas achar essa pessoa tóxica. Admirar a competência de um chefe, mas considerá-lo mau caráter.

Para quem tem pensamentos “nós versus eles”, ou você é totalmente bom ou você é totalmente mau, não tem meio termo. Ou ela te ama ou te odeia. Ou você está do lado dela ou contra ela.

E os sentimentos e percepções ao seu respeito acompanham essa oscilação. Ou seja, a pessoa tóxica pode te achar fantástica hoje e considerar você um inimigo desprezível amanhã.

No jogo do “quente e frio”, a pessoa também pode sair do ghosting direto para uma mensagem carinhosa e gentil, sem te dar a menor satisfação acerca do sumiço. Isso é conhecido como zombieing. A pessoa ressurge “dos mortos” assim do nada. Desaparece por semanas e depois te manda um: “Oi, sumida. Que saudades…

Nestes casos, abre o olho e liga o radar, porque esse zumbi é narc!

Por fim, o jogo é igualmente tóxico quando a pessoa te ignora a maior parte do tempo, raramente responde as suas mensagens, faz de conta que não liga para você, mas quando você está prestes a pular fora da relação, ela te puxa de volta para o ciclo com alguma mensagem linda e gentil.

Ou seja, a pessoa não quer ter o trabalho de atender as suas expectativas, mas também não quer te perder. Assim fica bem cômodo, não? Você ali, com o seu taxi vazio, mas com sinal de ocupado. Você investindo a mil naquele relacionamento e recebendo migalhas em troca.

Este tipo de dinâmica acaba criando trauma bond. Do inglês, vínculo traumático, que é você ficar viciado nesta adrenalina, neste tipo de relacionamento ambíguo, cheio de altos e baixos.

Não deixe este jogo avançar, porque quanto mais tempo ele dura, mais difícil e dolorido é para escapar depois.

Jogos mentais são uma bandeira pirata

As pessoas em geral são inteligentes e perspicazes. Elas percebem quando as amamos, quando estamos totalmente apaixonadas por elas, quando queremos demais estabelecer uma amizade ou uma parceria profissional.

Se elas fazem jogos virtuais, mesmo sabendo da intensidade dos nossos sentimentos, não têm real consideração para conosco e nem lá muita empatia. Talvez não tenha empatia nenhuma. Estão simplesmente brincando com nossos sentimentos.

A pessoa pode estar nos dando falsas esperanças ou jogando com nossas emoções de propósito. Principalmente se ela for um narcisista ou psicopata autoconsciente. Mas também pode estar agindo assim sem perceber, se for uma pessoa tóxica que não tem autocrítica.

Seja como for, não aceite ser ignorado à toa. Isso não é legal. E não trate ninguém assim também, não normalize este tipo de comportamento tóxico. Faça com os outros o que você gostaria que fizessem com você.

Por fim, cuidado com quem gosta de fazer “joguinhos”, eles não são inofensivos. Podem ser a ponta do iceberg de abusos maiores que estão por vir. O relacionamento começou com este tipo de dinâmica? Não mergulhe de cabeça. Vá com calma.

Se os jogos virtuais vierem acompanhados de outros comportamentos tóxicos (triangulação, gaslighting, espelhamento etc.), não se trata de uma bandeira vermelha, mas sim de uma bandeira pirata estapeando a nossa cara. Há grandes chances de termos um narc a vista.

O que a gente faz grita tão alto que o outro não consegue escutar o que a gente diz. Mesmo o silêncio sempre está nos comunicando alguma coisa. Foi ignorado? Não ignore este fato!

Notes

Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e todos os que me deram seu precioso feedback. Aos autores, pesquisadores e produtores de conteúdo sobre narcisismo, psicopatia, comportamentos tóxicos na gestão, por abrirem meus olhos para esta questão tão crucial.

Imagens: Pexels, Unsplash.

Informações Importantes e Termos de Uso

Clique aqui para ler os Avisos Importantes e Termos de Uso da série Narcisismo e compreender o que estou denominando de narcisista (não é só quem tem um transtorno de personalidade, é uma abordagem mais ampla) e porque uso o termo no masculino, não no feminino (qualquer um pode ser narcisista, inclusive mulheres).

No link acima esclareço, ainda, que este não é uma plataforma de saúde mental, mas um blog de opinião. Os textos são escritos com foco em gestão e produtividade, sob a ótica da vítima e da minha vivência pessoal. Se você está passando por problemas de saúde mental ou de relacionamentos, procure ajuda especializada urgentemente.

Por fim, caso ainda esteja se recuperando de um abuso narcisístico, não deixe o narcisista saber que você sabe sobre narcisismo.

Este blog está protegido pelas leis de direitos autorais. Para utilizar estes textos fora das regras de citação acadêmica do seu país, por favor, entre em contato.

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Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora na UFMG, Brasil. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama ler, desenhar, caminhar e viajar.

 

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