E que eu possa me dizer do amor (à ferramenta) que tive:
 Que não seja imortal, posto que é chama
 Mas que seja infinito enquanto dure.
  
 Vinicius de Moraes (com liberdade poética da autora do blog)1 

A guerra dos cadernos de notas digitais: Evernote, OneNote, Notion ou nenhum deles?

Quando surgiu o Evernote, os aficionados por organização adotaram em larga escala este arquivo digital que permite organizar notas e referências. A Microsoft, que planeja dominar o mundo e destruir a concorrência, também possui seu próprio caderno digital, o OneNote, que tomou muitos usuários do “elefante verde”, acirrando a concorrência.2

A moda agora é o Notion, que acrescentou um visual sofisticado e funções extras nas tabelas, promovendo um grande êxodo, uma verdadeira migração em massa. Os websites de tecnologia e produtividade só falam nele e me impressiona a rapidez com que tem sido amplamente adotado. Fruto, inclusive, de uma forte campanha de marketing, envolvendo influenciadores e outras formas de publicidade. Confesso que até agora tenho sérias preocupações quanto às questões de cibersegurança, privacidade dos nossos dados e independência da empresa, tendo em vista suas fontes de financiamento: basicamente pessoas associadas ao Google, Facebook, Twitter etc.3

Para estas gigantes da tecnologia do capitalismo de vigilância4, nós não somos o cliente, nós somos o produto! Recorrer a estes serviços implica em alimentar big datas que poderão ser utilizados contra a democracia e contra nós mesmos, através da manipulação do nosso humor, opiniões, interesses e hábitos de consumo. Por tudo isto, não corre o menor risco, neste momento pelo menos, de transferir “minha vida” para o Notion, por mais sedutor que, de fato, ele possa parecer à primeira vista.

Dos aplicativos desta categoria, por hora, pretendo continuar utilizando com frequência apenas o Simplenote5, onde compartilho com meu esposo os checklists de compras e faço capturas rápidas temporárias. Para anotações temporárias sigilosas, criei um cofre no gerenciador de senhas 1Password, sobre o qual escreverei em breve no blog. Para informações sigilosas de guarda permanente ou de longo prazo, utilizo o mais seguro de todos os suportes: papel.

No que se refere ao meu commonplace book, ou seja, para a coleta de referências e anotações em geral, estou testando a transferência dessas funções para o Scrivener6 e para o WordPress. Sobre este último falarei mais adiante neste texto.

Caso os testes não vinguem e um software de notas torne-se realmente imprescindível, avaliarei para este fim o Standard Notes, que é extremamente prático, código aberto e criptografado de ponta-a-ponta. Ao contrário da maioria dos demais apps do gênero, no Standard Notes só você pode ler suas notas, efetivamente. Outra opção é o Obsidian, ideal para usuários mais avançados.7

Neste momento, estou reavaliando todas as ferramentas que utilizo e também os critérios de curadoria e organização dos meus dados. A facilidade de inserir conteúdos e salvar páginas da Web nesses aplicativos de notas contribui para sistemas ineficientes de armazenamento das informações.

Trocas constantes de ferramentas

Por hora, a reflexão não é sobre o melhor programa de blocos de notas, este foi apenas o exemplo inicial. A questão é sobre a seleção e as trocas constantes de ferramentas.

Pessoas altamente dedicadas à construção de sistemas pessoais de produtividade e gestão, como eu e talvez o leitor, precisam ter em mente que a fidelidade deve ser aos propósitos, processos e resultados. Isto vale para quando avaliamos suportes analógicos, softwares, aplicativos e métodos adotados.

Se testamos algo e não funciona para nós como esperávamos, se lemos os termos de uso e não estamos satisfeitos, abortamos a missão, não importa o quão “na moda” esteja aquele método ou recurso. E se nos deparamos com outros processos e suportes mais adequados do que os nossos atuais, migramos para aqueles, sem nenhum apego ou sentimento de culpa.

Decisões planejadas: nosso tempo, dinheiro, privacidade e liberdade estão em jogo

As decisões de uso das ferramentas, contudo, precisam ser bem planejadas, pois a cada mudança temos um investimento de tempo em capacitação, adaptação e transferência de conteúdo. Portanto, a curva de aprendizado e a interoperabilidade dos dados é algo que levo muito em conta antes de adotar uma rotina ou software. Ou seja, a facilidade de aprendê-lo, o custo-benefício do tempo e dinheiro investidos e, também, a qualidade da extração dos dados, caso eu mude de ideia e queira migrá-los para outra plataforma.

O seu patrimônio, no caso, o seu conteúdo, precisa poder ir embora integralmente com você sem litígio, de modo facilitado e com arquivos que possam ser plenamente compreendidos e importados para outras ferramentas. Se você até exporta seu conteúdo, mas ele vem de forma incompleta, bagunçada, sem as correlações ou taxonomias estabelecidas na plataforma original, não adianta. O foco precisa estar em simplificar, não em dificultar, tanto o uso, quanto a “separação”. Isto tudo potencializa o cumprimento do propósito gerencial da adoção daquele recurso, que é mais importante do que o recurso em si.

Gestão do tempo: seja no aplicativo, seja no papel, um mesmo objetivo

Por exemplo, décadas atrás, comecei fazendo a minha gestão do tempo no papel, catalogando as horas e atividades realizadas em uma folha e transferindo no final do dia para o Word. Os dados eram analisados na calculadora. Hoje uso softwares e aplicativos, como o Toggl Track8 e planilhas eletrônicas, que me permitem ampliar o escopo desta análise através de etiquetas e gráficos.

A essência, contudo, é exatamente a mesma desde sempre: catalogar e analisar minhas horas diárias, semanais, mensais e anuais. Fazer a gestão do meu tempo de forma bem-sucedida, melhorando a minha produtividade e qualidade de vida, simultaneamente. Os suportes é que mudaram radicalmente ao longo dos anos, resultando, ainda, em aprimoramento e sofisticação do próprio sistema.

Não existe ferramenta certa, mas sim ferramentas melhores para cada perfil

Não há nada de errado em usar cadernos e papéis. Cada pessoa deve seguir aquilo que funciona para si mesmo. Pouco adianta recorrer a aplicativos complexos, se isto te causa desânimo e desestimula a permanecer no processo. Criar o mínimo de fricção possível é crucial neste caso.

Traduzindo em miúdos: quanto mais automático, direto ao ponto e simples for a execução de uma rotina gerencial, maiores as chances de você conseguir efetivamente incorporá-la como hábito. E se a rotina for bem escolhida, melhores serão também os resultados.

As pessoas são diferentes e precisamos respeitar nosso próprio perfil. Contudo, creio que os analógicos devam dar, de vez em quando, uma chance para as novas tecnologias digitais. Quando bem utilizadas, podem poupar muito tempo e ampliar drasticamente a eficiência de algumas tarefas, como foi o caso da minha gestão do tempo.

Entretanto, se você sempre se esquece de registrar suas horas nos aplicativos, mas um papel e lápis na sua mesa de trabalho são impossíveis de ignorar e esquecer, vá de papel e lápis! Gerir seu tempo é a prioridade.

E isto vale para outros processos gerenciais. Tem pessoas que preferem um planner a uma agenda eletrônica. Um painel com post its ao kanban em aplicativos. Eu faço uma gestão predominantemente digital, mas também utilizando recursos impressos, como um quadro de metas afixado no meu home office, que me ajuda a recordar quais são as minhas prioridades para o ano vigente.

Já coordenei projetos que envolviam idosos, stakeholders importantes, pois compunham o conselho curatorial do museu da medicina de Minas Gerais, o CEMEMOR9. Naqueles tempos pré-pandemia, as tecnologias digitais ainda não estavam tão difundidas quanto hoje em todas as faixas etárias.

Então, para comunicar o andamento do projeto para o conselho de curadores, utilizei prioritariamente um fichário, que levava comigo em algumas reuniões, e um painel de flanela verde instalado próximo à porta do espaço social do museu. Funcionou maravilhosamente bem. Adote aquilo que se adéqua melhor a cada situação.

Como escolher as ferramentas de gestão e produtividade?

Ler tutoriais e assistir vídeos de aplicações práticas são ótimas estratégias para ajudar nas escolhas, pois podem dar uma ideia panorâmica das funcionalidades de um método ou ferramenta. A partir daí, fica mais fácil avaliar, então, se merecem ser testados e investigados mais profundamente.

O sábio, neste caso, é experimentar sem embarcar precipitadamente em modismos. Ser flexível e explorar as múltiplas opções com calma, encontrando aquela que funciona melhor para você, dentro dos seus valores e missão de vida.

Como aficionada por tecnologia que sou, os aplicativos digitais potencializam minha autodisciplina e aumentam a minha motivação. Preciso sempre tomar cuidado para não gastar tempo demais “me divertindo” com eles, considerando, inclusive, que muitos adotam estratégias de gamificação10. É preciso analisar muito bem se o “jogo” está contribuindo para melhores processos e resultados ou apenas desperdiçando nosso tempo. Neste último caso, desative o recurso, se esta opção estiver disponível.

O essencial, nesta tomada de decisões, é o objetivo a ser alcançado dentro do seu sistema de planejamento. Se um software ou processo gerencial está consumindo tempo demais, temos um problema. Se a plataforma é excelente, mas os princípios da empresa que a produz não combinam com os nossos, temos outro problema.

Não é só uma questão de postura ética, o que já seria suficiente, mas sim de que você pode se dar muito mal com isto mais tarde. Já perdi a conta de quantas vezes as empresas de softwares comerciais mudaram as regras do jogo com ele em andamento, nem sempre a favor do cliente.

Softwares livres: por quê estou migrando cada vez mais para eles

Por estas e outras, adoto sempre que possível programas freemium11 e, preferivelmente, os softwares livres. Os denominados FLOSS (Free/Libre Open Source Software)12 são desenvolvidos voluntariamente por programadores espalhados no mundo inteiro, sendo totalmente livres, gratuitos e código aberto. Ou seja, podemos utilizar, compartilhar, vistoriar e alterar o software sem custo algum. Isto implica não somente em economia, mas também em customização e liberdade.

Pessoalmente, prezo mais a minha autonomia e privacidade do que as benesses dos softwares comerciais. Nós – professores universitários – lidamos com uma série de informações altamente sensíveis, como documentos de instituições públicas, informações de nossos alunos e dados de pesquisa.

Prefiro, ainda, como acadêmica, contribuir para a consolidação de substitutos livres do que ser mais um peão a sustentar empresas de valores questionáveis, como tantas do Vale do Silício. Com isto, estou ensinando aos meus leitores e alunos softwares que poderão continuar utilizando por toda a vida e não somente durante o período em que estão na universidade, tendo acesso a eles por meio de nossos laboratórios ou de licenças estudantis. Além da acessibilidade financeira, é uma questão de princípios, de incentivar modelos de negócios inclusivos e que contribuam mais para a sociedade.

Considere substituir o Microsoft Office pelo LibreOffice, o Adobe Premiere e o 3DS MAX pelo Blender (modelagem e edição de vídeos), o Photoshop pelo GIMP (design gráfico), o Microsoft Teams pelo Jitsi (reuniões on-line e videoconferências) e o Google Classroom pelo Moodle (ambiente virtual de aprendizagem).13

De todos, o WordPress é meu FLOSS favorito. Trata-se de um sistema de gestão de conteúdo que serve não somente para publicar blogs, como este que o leitor está, mas para quase tudo que envolve um banco de dados relacional. Com a vantagem de que o banco do WordPress (MySQL ou MariaDB) é também um FLOSS e possui altíssima interoperabilidade, sendo adotado por inúmeros outros softwares e plataformas, livres ou não.

O WordPress responde por cerca de 40% dos websites do mundo. Isto não apenas garante que haja muitos interesses em melhorar a ferramenta, como também implica em maiores garantias acerca da sua qualidade e longevidade.

Creio que no futuro, saber WordPress ou algum sistema de gestão de conteúdo será básico na literacia digital, como hoje é básico saber escrever com processadores de texto. Utilizo o WordPress desde 2014 e provavelmente é um dos relacionamentos mais longevos que já tive com uma ferramenta. E este casamento está só começando…

Com os chamados plugins, que são pequenos softwares que acrescentam funções específicas ao software principal (no caso, o WordPress), é possível adicionar inúmeros recursos que acabam por substituir o uso de diversas plataformas comerciais.

Por exemplo, com o tema e os plugins do Tainacan.org, posso fazer gratuitamente um museu virtual, uma biblioteca digital ou um arquivo, institucional ou pessoal. Isto com todas as propriedades profissionais de um repositório digital, como taxonomias, filtros de busca avançados e esquemas de metadados.

No WordPress eu posso desenvolver, ainda, meu “próprio” Trello, BaseCamp, Slack, Evernote, Notion, Mendeley, Dropbox, Google Classroom, TMS, eMuseum, Shopify e assim por diante. Sem mencionar as redes sociais particulares, totalmente livres de coletas indesejadas de dados, algoritmos e anúncios. Em alguns casos a “versão alternativa WordPress” terá mais recursos, em outros menos, quando comparamos com os softwares comerciais. Talvez você descubra que produzirá bem mais com menos, pois a ferramenta será totalmente customizada por e para você!

Ainda não consegui reproduzir algo parecido com o Todoist14 no WordPress, meu aplicativo de listas de tarefas predileto, mas tenho esperanças de chegar lá. Se o leitor souber como, conte-me aqui.

O veículo, a jornada e o destino

Outro dia, estudando com nosso filhote, lemos a fábula da lebre e da tartaruga de La Fontaine. Enquanto explicava para nosso menino que a vitória não é necessariamente dos mais fortes ou dos mais rápidos, mas dos focados e persistentes, refletia no canto da mente sobre este texto aqui.

Seja de papel ou de bytes, as ferramentas de gestão e produtividade podem nos ajudar a chegar lá. Priorize aquelas que, além de levarem você com sucesso para a linha de chegada dos seus projetos, façam isto com ética, liberdade de escolha para ir e vir, customização do seu jeito, alegria e orgulho ao utilizar e, principalmente, soluções que gerem economia de horas e mais tempo livre. Assim, será possível contemplar a paisagem ao longo do caminho.

Vale lembrarmos que a gestão não é um fim em si mesmo, mas um meio para atingirmos nossas metas de forma íntegra e com qualidade de vida, usufruindo de uma jornada menos estressante e mais recompensadora.

Importam mais o destino e a estrada do que o veículo. Contudo, precisamos pensar no veículo também, pois não adianta ter um foguete espacial se o seu destino é a praia numa ilha. E mesmo que seja o tipo de veículo certo, não queremos chegar lá em um transporte que destoe do nosso perfil, inadequado para nossas necessidades, antiético, ineficiente ou que polua a natureza, que faça mal para nós de alguma maneira.

Neste caso, desligue o motor e vá remando. Eu já me “desliguei” de vários softwares e métodos que não se adequavam ao meu estilo de vida ou aos meus princípios. E continuo fazendo isto, progressivamente. Pode parecer contraditório, mas com isto meus resultados aumentaram!

Descobri que remar tem suas vantagens: faz bem para a saúde mental, potencializa a nossa contribuição para o mundo e a nossa satisfação pela conquista. Reduz, também, o estressante ruído provocado por ferramentas que lucram com a nossa atenção e com o nosso vício digital, sendo que deveriam focar em melhorar nossa produtividade. Livres destas distrações, enquanto remamos, podemos não só chegar ao nosso destino, mas também ter tempo e tranquilidade para apreciar o percurso e ouvir as ondas do mar.

Notas

1. Soneto de Fidelidade – Vinicius de Moraes.

Apesar de belíssimo, nunca fui muito fã das ideias propagadas neste famoso poema. Aí acrescentei “ferramentas” ao verso e ficou simplesmente perfeito para o tema deste post!

2. Evernote, OneNote e os problemas de segurança dos apps de notas.

Evernote e OneNote são aplicativos que permitem a organização pessoal das suas notas por meio de um arquivo digital estruturado em cadernos. Nestes é possível salvar de modo facilitado textos, páginas da Web, áudios, imagens e documentos. Estes cadernos podem ser acessados no desktop, navegador ou aplicativo para celular. Também podem ser compartilhados com outras pessoas. Ambos possuem versões gratuitas, com recursos suficientes para muitos usuários.

Utilizei o OneNote como meu caderno para notas e referências por muitos anos e estou testando no momento, como mencionado no post, a transferência desta função para o Scrivener e para o WordPress. Na época, escolhi o OneNote, porque fazia parte do pacote Office, sua usabilidade pareceu-me melhor e a sua aparência era mais limpa, colorida e alegre. O Evernote era cinza e parecia um software “empresarial”. Hoje o Evernote sofreu um redesign e está moderno e elegante, preto e branco.

O principal problema com este tipo de aplicativo é a segurança. Já houve casos, inclusive, de perda de dados inseridos pelos clientes. As empresas também podem ter acesso às nossas notas. Foi o que constatei quando o Evernote anunciou uma mudança em seus termos de privacidade, permitindo alguns de seus funcionários acessarem o conteúdo das notas para fins de melhoria da inteligência artificial. Em minha opinião, o software deveria ser criptografado de ponta-a-ponta por padrão, impedindo que qualquer um tenha acesso ao nosso conteúdo! Depois da revolta dos usuários e de críticas na imprensa especializada, o Evernote voltou atrás e removeu a mudança na sua política. Pelo menos no discurso.

Tanto o Evernote quanto o OneNote possuem hoje recursos de criptografia de trechos de suas notas, o que não me parece o suficiente.

Considerando o histórico da Microsoft, responsável pelo OneNote, e das empresas vinculadas aos financiadores do Notion, acredito que os riscos associados a ambos possam ser ainda maiores do que os do Evernote. Contudo, não pretendo continuar utilizando regularmente nenhum dos três.

Em resumo, por inúmeros motivos – privacidade, insegurança dos dados, modelo de negócios, mudanças constantes na ferramenta e suas políticas de uso, incentivo a processos ineficientes de armazenamento de conteúdo – hoje estou repensando totalmente o uso destes softwares de blocos de notas, assim como revisitando meus processos de curadoria e catalogação da informação, conforme mencionei no texto. Quando estas mudanças estiverem mais consolidadas, escrevo um post sobre o assunto.

3. Notion: minhas avaliações até agora.

Testei por alguns meses o Notion, transferindo para ele algumas rotinas e conteúdos de acesso frequente. Utilizei uma conta Personal Pro Education, que confere recursos premium gratuitamente para estudantes e professores. Contudo, nas informações dos planos gratuitos não diz que será de graça para sempre, o que pode significar uma estratégia de marketing.

Várias pessoas aderem ao app, considerando que é gratuito. Depois que a “vida” já está no Notion, a empresa pode mudar de ideia ou limitar os recursos destes planos, forçando a adesão paga. Foi o que ocorreu com o LastPass, meu antigo gerenciador de senhas (migrei para 1Password). Em geral, confie mais neste tipo de plano gratuito quando está dizendo “de graça para sempre”, o que não me parece ser o caso do Notion.

O aplicativo funcionou bem, com algumas questões de usabilidade, mas, em geral, é um excelente caderno de notas. Testei, ainda, o recurso de tabelas e bancos de dados, mas o Calc do LibreOffice ou o Excel são infinitamente melhores. Tudo bem que no Notion fica tudo “all-in-one” e com uma aparência charmosa, mas sinceramente, os recursos são muito aquém de um software especializado em planilhas e/ou banco de dados. O tempo investido em aprender e criar tabelas no Notion, em minha opinião, seria melhor empregado em softwares de planilha, que fazem muito mais por nós e pelo nosso currículo.

Por fim, como mencionei no artigo, não estou satisfeita com diversas questões, como a qualidade do conteúdo exportado, que me pareceu sofrível nos meus testes, os termos de uso e privacidade, a ausência de autenticação de dois fatores e de criptografia ponta-a-ponta (o que permitiria o acesso aos nossos dados armazenados por funcionários da empresa ou hackers), o vínculo dos financiadores do Notion com as empresas de rede sociais, gerando desconfianças quanto a sua independência e ao seu futuro, se será adquirida por algum desses gigantes tech ou não. Caso isto ocorra, quais seriam as implicações disto?

Em que medida, aliás, a criptografia ponta-a-ponta não foi implementada no Notion intencionalmente? A maior parte dos usuários ignora os perigos de ceder seus dados para estas empresas e abre mão da privacidade em prol da comodidade. Nada impede, portanto, que mudanças sejam feitas nos termos de uso e privacidade no futuro, tornando-os ainda mais invasivos.

Este é só o resumo, mas já é suficiente. Por todos estes motivos, não uso mais o Notion. Mantenho a conta para baixar conteúdos de cursos e afins divulgados exclusivamente por meio dele, o que está se tornando mais frequente, já que o Notion é o aplicativo da moda.

4. Capitalismo de Vigilância – Shoshana Zuboff.

O termo capitalismo de vigilância foi cunhado por Shoshana Zuboff, professora de Harvard. O tema é parte de nossas pesquisas sobre cibersegurança e privacidade, então, certamente escreveremos mais sobre ele aqui neste blog. Um bom resumo deste conceito e dos perigos relativos à coleta de dados realizado por estas empresas de aplicativos está no documentário feito com a Zuboff – The big datarobbery (O grande roubo de dados, legendas em português disponíveis, clique para ver). Recomendo vivamente que assistam.

5. Simplenote.

Simplenote é um bloco de notas simples e direto ao ponto, como o próprio nome diz. É possível, ainda, compartilhar notas, torná-las públicas e usar formato Markdown (uma linguagem prática de marcação de texto).

É totalmente gratuito e desenvolvido pela Automattic, uma empresa que até aqui ganhou a minha confiança e admiração, fundada por um dos criadores do WordPress, o Matt Mullenweg. Utilizo o Simplenote para compartilhar com meu esposo os checklists de compras e fazer algumas capturas rápidas temporárias de notas.

6. Standard Notes e Obsidian.

Standard Notes é um bloco de notas simplificado, por isso mesmo, extremamente fácil de usar. Na versão gratuita possui apenas notas e tags, já na premium conta com extensões adicionais, como organização dos conteúdos em pastas, inserção de mídias etc. Possui aplicativo sincronizado para desktop e celular.

Trata-se de um software código aberto, ou seja, podemos inspecionar o seu código-fonte, saber o que ele faz, permite e coleta. Além disto, possui criptografia ponta-a-ponta e autenticação de dois fatores (este último, no plano pago). No plano gratuito está explícito “de graça para sempre”.

Já o Obsidian, ideal para usuários mais avançados, possui instalação local, portanto, não está na nuvem, o que amplia a segurança dos dados, mas também os torna acessíveis somente naquele computador. O software permite a geração de um número de identificação para cada nota, a linkagem entre elas e a visualização das conexões por meio de gráficos. Atende, portanto, aos entusiastas do método de gerenciamento de anotações Zettelkasten. Para uso pessoal, o software também é “de graça para sempre”.

7. Scrivener.

Scrivener é um charmoso software desenvolvido por e para escritores, numa empresa sediada no Reino Unido. O programa não possui versão freemium, apenas trial gratuito de um mês, mas sua licença tem um preço muito acessível. Simplificando um pouco, é como se juntássemos um software de notas (Evernote, OneNote) com o Word e fizéssemos um aplicativo no qual as referências e o texto em produção estivessem num mesmo lugar, de forma organizada e acessível.

Ainda é cedo para bater o martelo, mas até agora eu estou gostando bastante deste software. Li seus termos de privacidade e achei ótimos. Não gostei apenas deles utilizarem o AWS da Amazon como servidor. É compreensível, já que provavelmente é o servidor com melhor custo-benefício do mercado, mas preferiria que fosse diferente e que fizessem parte da “resistência”, já que existem outras opções viáveis e de excelente qualidade. O restante achei bem decente e respeitoso com nossa privacidade. Para quem tem na escrita sua atividade principal, vale a pena conferir.

8. Toggl Track.

O aplicativo Toggl Track, disponível para navegadores e celulares, permite o registro de horas trabalhadas, possuindo botões de play/stop, inserção manual de dados, assuntos e etiquetas para classificar as horas, que também podem ser registradas por projetos. O app fornece relatórios completos por meio de listas e gráficos, com inúmeros filtros. A ferramenta possui, ainda, recursos de colaboração para equipes. Utilizo há alguns anos o plano gratuito, em associação com planilhas e gráficos, que podem ser feitos no Calc do LibreOffice ou Excel.

9. Projeto CEMEMOR – Centro de Memória da Medicina de Minas Gerais.

As questões gerenciais do Projeto CEMEMOR mencionadas no post podem ser encontradas nas minhas publicações a seguir:

Gestão de Projetos de Museus e Exposições (livro)

Comunicação em processos de design de projetos de arquitetura efêmera: exposições museográficas (artigo científico).

Projeto CEMEMOR: Museu, Arquivo Documental e Biblioteca da Medicina (artigo científico).

Building Information Modeling para projetistas (capítulo de livro)

10. Gamificação.

Gamificação é o uso de técnicas de design de jogos em outros contextos diversos da vida cotidiana, não associados a jogos. Quase todos os aplicativos de produtividade incorporam alguma técnica do gênero. Por exemplo, pontuação ou distintivos por tarefas cumpridas, metas alcançadas e assim por diante. Creio que a “premiação” mais nociva é a que computa os dias consecutivos de uso do app. Costumo desabilitar com frequência estes recursos de games, sempre que esta opção está disponível, pois entendo que mais atrapalham do que ajudam na produtividade. Não raro, tais recursos transferem os objetivos para o uso da ferramenta, distraindo-nos do principal, que são os resultados. Acho que o assunto merece post específico.

11. Freemium: incentivando modelos de negócios mais nobres.

Programas freemium (free + premium) são aqueles que disponibilizam para os usuários uma versão gratuita, ainda que com menos recursos, que são exclusivos aos assinantes. Quando não é possível adotar um software livre, por não haver um similar com qualidade suficiente, priorizo uma opção freemium. Um exemplo é o Todoist, sobre o qual falo mais adiante nestas notas.

Como professora e pesquisadora, acho importante me especializar prioritariamente em softwares que os meus estudantes e leitores tenham acesso, já que nem todos possuem condições de comprar estas licenças. Com isto, incentivamos, ainda, modelos de negócios inclusivos.

12. Softwares Livres.

Havendo uma opção similar, adoto prioritariamente os softwares livres. A melhor definição e sigla para estes, em nosso entendimento, é FLOSS: Free/Libre and Open Source Software – Software Gratuito/Livre e Código Aberto.

Open Source (código aberto) significa que o código-fonte pode ser inspecionado. Contudo, existem softwares comerciais open source, que abriram seu código para potencializar a confiança no serviço.

A nomenclatura FOSS (Free and Open Source Software) é insuficiente, pois um software pode ser gratuito e código aberto, porém comercial, monetizando a partir de outras formas, a exemplo dos anúncios ou da coleta dos nossos dados. Já a denominação FLOSS acrescenta a palavra espanhola Libre à sigla. A adição reduz a dubiedade da palavra free em inglês, reforçando o caráter livre, não só gratuito, do software.

Em resumo, em um FLOSS ou software livre, não só podemos inspecionar o código e utilizar o software gratuitamente, mas também podemos estudá-lo, modificá-lo, compartilhá-lo, com ou sem mudanças, livremente.

13. Softwares livres que utilizo e recomendo.

LibreOffice – Substituí o Word e o Power Point da Microsoft pelo Writer e Impress do LibreOffice durante um mês e não senti falta de praticamente nada. É possível salvar e abrir arquivos do LibreOffice em Office e vice-versa. Como a escrita é muito importante para mim, estou utilizando Writer e Word simultaneamente e tecendo comparações acerca dos recursos de ambos. Quando tiver um posicionamento mais conclusivo, publico por aqui. O posicionamento provisório é: adeus Office da Microsoft!

Blender – Para fazer os vídeos mais importantes eu costumava utilizar o Adobe Premiere, que é mesmo uma potência. Contudo, aplica-se aqui o exemplo que dei no texto: eu utilizava um foguete para me levar a uma praia numa ilha. Não fazia sentido algum. Hoje edito a maioria dos meus vídeos no Blender, que é um software de animação e modelagem 3D simplesmente fantástico! Para vídeos mais simples, só com imagens e música, utilizo o HD Movie Maker PRO, que é um aplicativo para Windows freemium, cuja licença permanente profissional custa o preço de uma pizza. Vale a pena, ele é bem mais simples de operar do que o Blender e o Adobe Premiere. Pretendo em breve começar a modelar (realidade virtual) no Blender, dando adeus definitivo ao 3DS MAX da Autodesk. Se você quer ver o que o Blender é capaz de fazer, assista aos exemplos a seguir:

Vídeo demonstrativo do Blender de 2020.

Vídeo demonstrativo do Blender de 2013.

Animação Spring feita no Blender (2019).

Animação Glass Half feita no Blender, uma divertida crítica à crítica de arte.

GIMP – No passado fiz um uso avançado do Adobe Photoshop, com manipulação de imagens, montagens complexas e tudo mais. Hoje minhas demandas por um software de design gráfico são muito menores, consistindo basicamente na preparação de fotografias para a publicação na Web e montagens simples. O GIMP é mais do que suficiente. Ainda não testei edições avançadas nele, mas até o momento dei adeus ao Photoshop.

Jitsi – O Jitsi é uma plataforma para videoconferências e reuniões on-line que substitui o Microsoft Teams. Quando a decisão é minha, utilizo o Jitsi, que no desktop não é necessário instalar nada, nem fornecer e-mail. No celular, pede aplicativo, mas é totalmente gratuito. Sobre os problemas de privacidade associados à Microsoft e outras gigantes tech no ensino e trabalho remotos, escrevi um texto de pesquisa que pode ser lido clicando aqui.

Moodle – O Moodle é o mais popular e um dos melhores ambientes virtuais de aprendizagem do mundo! Adotado pela UFMG e diversas outras instituições, dentro e fora do Brasil. Faço há anos um uso avançado desta incrível ferramenta, que nem se compara ao Microsoft Teams e ao Google Classroom, sendo infinitamente melhor e mais potente. O Moodle não tem videoconferência, mas isto pode ser solucionado associando o Moodle ao Jitsi. Minhas aulas “ao vivo” são ministradas no Jitsi, gravadas no OBS Studio e armazenadas no Vimeo, que possui qualidade superior e um modelo de negócios muito melhor do que o YouTube. O Vimeo é baseado em assinaturas, não em monetização dos nossos dados e do nosso tempo via anúncios. O aluno acessa estes vídeos incorporados dentro do próprio Moodle, fica sensacional.

Isto aqui foi só uma palhinha… cada uma dessas ferramentas merece um post!

14 – Todoist.

Todoist é o principal software de gestão no qual faço o meu planejamento diário hoje em dia. O aplicativo permite organizar as listas de tarefas em projetos. Nele faço o gerenciamento tanto da minha vida profissional, quanto pessoal.

O aplicativo possui um plano gratuito, com algumas limitações de recursos. Atualmente eu contrato o plano Pro, vale totalmente a pena o custo-benefício. Visite o website do Todoist clicando aqui.

Como já pontuei na missão deste blog, os eventuais produtos sugeridos aqui são escolhidos por mérito e/ou adequação, não havendo, portanto, qualquer tipo de recebimento de patrocínio ou benefícios para sua indicação. Inclusive, sonho com o dia em que conseguirei reproduzir as principais funções do Todoist no WordPress, mas ainda não cheguei perto disto nos meus protótipos. Se souber como fazê-lo, por favor, conte-me aqui!

Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e Paulo Rocha, pelos preciosos comentários e sugestões.

Imagens: Do More (Carl Heyerdahl, Unsplash), Ampulhetas (Fakurian Design, Unsplash), Cadernos (Kaboompics, Pixabay), Computadores com montagem das telas feita pela autora do blog (Pexels), Canoas (Freepick).

Última revisão e atualização: Julho de 2021.

Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora na UFMG, Brasil. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama ler, desenhar, caminhar e viajar.

 

Newsletter


    Pular para o conteúdo