Há muitos anos, assisti uma entrevista incrível com uma importante ativista internacional. Infelizmente, não me recordo seu nome ou país, mas ela causou um profundo impacto em mim. A entrevistada defendia a democracia, a justiça social, a igualdade entre homens e mulheres, dentre outros temas de altíssima relevância e poder transformador. Foi uma conversa absolutamente inspiradora!
A entrevistada usava uma roupa sóbria e tradicional, que cobria seu corpo e seus cabelos. Ao final da entrevista, o repórter quis saber se ela o fazia por convicção, tradição ou porque era uma obrigatoriedade em seu país. E, sendo o último caso, o que lhe parecia pelo seu discurso, se ela não estaria, então, corroborando para fundamentalismos e para a opressão feminina.
Faz muitos anos tudo isto, portanto, não saberia reproduzir exatamente as suas falas, mas me recordo em detalhes das suas opiniões. A entrevistada, calmamente, disse que se não usasse aquela roupa, não conseguiria falar aos corações das mulheres do seu país, não poderia assumir o cargo político que ocupava e promover as mudanças que realmente tinham o potencial de alterar todas as demais coisas. Reconstruo aqui, com minhas próprias palavras, as ideias principais que ficaram impressas em minha memória:
Se formos bem-sucedidos em nossa luta, usar ou não determinada roupa será efetivamente uma questão de escolha pessoal. Se formos bem-sucedidos no que realmente importa, lutar contra certas coisas não será mais necessário.
Certos problemas sociais, quando resolvidos, certos hábitos, quando implementados, certos projetos, quando concluídos com sucesso, certas decisões, quando tomadas e levadas a cabo, geram impactos e resultados exponenciais.
Um exemplo emblemático é a educação. Eduque um povo com uma educação verdadeiramente de qualidade e diversas outras vitórias virão automaticamente em sua esteira.
Uma síntese desta ideia pode ser encontrada no Princípio de Pareto ou 80/20.1 Este princípio diz que 80% dos efeitos são provocados por apenas 20% das causas. Não se trata de “métricas”, mas sim de uma ferramenta de análise. De fato, a literatura da área de arbitragem, produtividade e gestão, assim como minha própria experiência pessoal, corroboram isto.
No processo de conclusão das nossas atividades e projetos, devemos dedicar um tempo para conversar com as pessoas envolvidas e para identificar aquele conjunto principal de ações que foram decisivas para o sucesso global. Não raro, estas ações determinantes tornariam diversas outras totalmente dispensáveis. Precisamos, ainda, manter um histórico centralizado e atualizado destes registros.
Com frequência ignorada por muitos gestores, as etapas de diagnóstico (pré-projeto) e avaliação (pós-projeto) nos permitem ter uma visão do todo, cruzar informações, construir cenários e, principalmente, rastrear prioridades. Numa próxima oportunidade similar, é nestas prioridades que devemos focar, se queremos maximizar resultados e reduzir esforços.
Sabemos disto na teoria, porém com frequência miramos no periférico. Desde o micro até o macro. É bem mais fácil:
- Responder e-mails do que escrever artigos científicos, trabalhos da faculdade ou relatórios.
- Ler uma interminável lista de livros e referências do que finalmente sentar e escrever a monografia.
- Fazer um agrado aos nossos parentes e amigos do que trabalhar aqueles defeitos específicos que realmente estão destruindo os nossos relacionamentos.
- Postar protestos nas redes sociais do que integrar uma associação de classe ou organização sem fins lucrativos que faça real diferença no mundo.
- Empreender guerras culturais e de costumes do que identificar e atuar nas origens de nossas intolerâncias.
- Lutar pelo endurecimento das leis do que resolver os problemas que as tornam necessárias.
As soluções verdadeiramente eficazes para os problemas mais importantes da sociedade são complexas, de longo prazo e coletivas. Somente reformas profundas poderão alterar o status quo que perpetua preconceitos, privilégios e ignorâncias. Já as bordas do alvo são mais simples e visíveis, mais fáceis de acertar, mais populares, geram mais publicidade e protagonismo para quem as abraça e dão resultados aparentes mais rápidos.
Entretanto, lutas periféricas, mesmo quando bem-sucedidas, embora possam contribuir para avanços localizados, raramente redundam em mudanças estruturais, que só costumam ocorrer quando acertamos de fato o centro do alvo. Quando miramos na causa, não nos sintomas.
Identificar o cerne dos problemas e atuar neles é o que proporcionará a transformação efetiva da sociedade e das nossas próprias vidas. O resto são paliativos que nos distraem, agradam o ego, atrasam as conquistas imprescindíveis e possuem eficácia duvidosa, fazendo-nos caminhar dois passos para frente e dez para trás.
Não devemos, portanto, enfrentar todos os desafios com o mesmo empenho, com o mesmo padrão de esforço. A escolha das nossas lutas principais e a nossa busca por excelência precisam ser estratégicas. Certas batalhas, quando vencidas, dão-nos de presente inúmeras outras vitórias. Identificá-las é imperativo, tanto em nossa vida profissional e pessoal, quanto como sociedade.
O mais importante no topo da lista. First things first. Primeiras coisas primeiro. Naquele dia, aquela senhora ensinou ao repórter, e à versão imatura e jovem de mim, uma sábia lição sobre prioridades.
Aquilo que mais importa jamais pode ficar à mercê do que pouco importa.
Johann Wolfgang von Goethe2
Notas
1 – Princípio de Pareto.
Este princípio foi estabelecido em 1897 pelo economista italiano Vilfredo Pareto, sendo conhecido por Princípio de Pareto, Lei de Pareto, Regra 80/20, Princípio do Menor Esforço e Princípio do Desequilíbrio.
Pareto observou que havia um desequilíbrio constante quando se analisava diversos dados matemáticos econômicos, como concentração de renda e riqueza, que culminavam em proporções similares à 80/20. Por exemplo, 20% das pessoas concentrando 80% das riquezas.
Pareto não foi hábil ao relatar suas ideias, associando-as a complicadas análises sociológicas, que foram posteriormente apropriadas inclusive por fascistas. O princípio permaneceu no ostracismo até ser redescoberto no pós-guerra.
Em 1949, o professor de filologia de Harvard, George K. Zipf, cunhou o Princípio do Menor Esforço, que analisou diversas estatísticas para constatar este constante desequilíbrio. Em 1951, Joseph Moses Juran, responsável pelo movimento da Qualidade no Japão, popularizou o Princípio de Pareto ou Regra dos Poucos Vitais. Desde então, diversas empresas, instituições e gestores aplicam este princípio em seu processo decisório. O Princípio de Pareto é, portanto, uma constante na literatura sobre gestão e arbitragem.
“Na maior parte do tempo, não percebemos que apenas um pequeno grupo de recursos é superprodutivo (que Juran chamava de ‘os poucos vitais’), enquanto a maioria (‘os muitos triviais’) apresenta baixa produtividade ou chega até a ter valor negativo. Se nós realmente percebermos a diferença entre os poucos vitais e os muitos triviais, em todos os aspectos de nossa vida, e fizermos algo em relação a isso, poderemos multiplicar tudo aquilo a que damos valor.” (O Princípio 80/20 – Richard Koch, Editora Gutenberg, Edição Kindle, posição 227.)
O best-seller da citação acima relata a história do princípio, sintetizada aqui nesta nota. O livro é permeado de aplicações questionáveis da Lei de Pareto, voltadas mais para a “esperteza” gerencial em prol dos resultados. Definitivamente, eu e o autor não compartilhamos a mesma matriz de valores.
Contudo, o que a publicação faz muito bem é evidenciar o enorme desperdício de tempo, dinheiro, energia e recursos de todo tipo, que pode ser observado nos mais variados aspectos da vida profissional e cotidiana, especialmente quando não identificamos corretamente os nossos 20%, ou seja, as nossas reais prioridades.
2. O Princípio 80/20 – Richard Koch, Editora Gutenberg, Edição Kindle, posição 2755.
Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e Paulo Rocha, pelos preciosos comentários e sugestões.
Imagens: Alvo com dardo amarelo (Engin Akyurt, Pexels), alvo com dardo vermelho (Icon0, Pexels).