Você dá aulas duas manhãs apenas este semestre? Que bom! Sua profissão te permite ter bastante tempo livre…”.

Se você é professor concursado em uma universidade estadual ou federal, com certeza já ouviu frases como estas algumas vezes em sua vida. Muito antes, inclusive, dos ataques à educação pública, campanhas negacionistas e anti-intelectuais, que se intensificaram no Brasil a partir de 2019.

Acredito que nem todas as pessoas que fazem questionamentos deste tipo são mal intencionadas. Já ouvi isto de amigos e parentes, que pareciam inclusive felizes por acreditarem que eu tinha uma rotina tranquila.

Na verdade, com exceção dos próprios, poucos sabem exatamente o que faz um professor de universidade pública, nem mesmo os estudantes, que em sua maioria vivenciam somente a parte da sala de aula. Assim, a proposta deste texto é descrever, de maneira sucinta, as principais atividades que compõem o nosso trabalho cotidiano.

Isso pode ser útil para que os estudantes compreendam por que não podemos lhes dar todo o tempo extraclasse que gostaríamos. Também pode ajudar aqueles candidatos e pós-graduandos que têm o desejo de seguir carreira acadêmica e precisam analisar melhor tudo o que ela implica.

Confesso que escrevo também em meu próprio benefício: quando ouvir novamente comentários sobre “ter muito tempo”, vou economizá-lo encaminhando ao meu interlocutor o link para este texto.

Esta é a primeira publicação de uma nova seção da nossa plataforma, denominada mapa da vida acadêmica.

Dedicação exclusiva: sobre qual regime de trabalho docente este texto se refere?

O leitor verá que o post é longo e inclui inúmeras atividades. Antes de começarmos, contudo, cabe ressaltar que falo principalmente sobre a rotina daqueles professores que, como eu, adotam o regime de trabalho denominado dedicação exclusiva.

Neste regime, que abarca a maioria dos professores concursados e dos editais para concursos, o docente até pode fazer consultorias e trabalhos externos, que precisam ser previamente aprovados em diversas instâncias administrativas. Contudo, não devem ser frequentes, ficando limitados há um número máximo de horas semanais. E não pode ser um trabalho qualquer, deve contribuir para a instituição em termos acadêmicos.

Uma minoria dos professores de universidades públicas e uma maioria de docentes das particulares não possuem dedicação exclusiva e não seguem necessariamente o script que descrevo a seguir. Grande parte dos docentes brasileiros dedicam-se quase que exclusivamente ao Ensino, o primeiro item do nosso tripé profissional, sobre o qual falaremos em breve.

O fato é que o professor concursado em dedicação exclusiva tem o seu foco na vida acadêmica, envolvendo não apenas a docência, mas diversas outras atribuições.

Cabe ressaltar, por fim, que nós não fazemos tudo isto aqui listado ao mesmo tempo. Por exemplo, um docente que assuma uma nova disciplina tenderá a dedicar mais tempo na sua estruturação e menos no restante. É comum que, ao longo dos anos, o docente decida priorizar esta ou aquela frente por um período, pois não se consegue fazer tudo. Os que tentam, costumam enfrentar sérios problemas pessoais e de saúde.

Porém, algumas tarefas não costumam faltar, como ministrar disciplinas na graduação, orientar estudantes, participar de bancas, pesquisar e publicar artigos científicos.

Profissionais competentes e incompetentes

Alguém sempre pode alegar que conhece professores que ‘terceirizam” sua produção nos estudantes, enchendo o currículo às custas dos outros e levando a fama pelo trabalho alheio. Ou, no extremo oposto, que apenas “batem ponto em suas aulinhas desatualizadas” e que não cumprem nem metade do que vou elencar a seguir.

Bom, pessoas desprovidas de ética profissional ou incompetentes existem em todos os lugares, não apenas na universidade e no serviço público. Associar todos os professores concursados a “encostados” é uma calúnia e um mito que interessa a parte da nossa elite propagar.

Uma população bem-educada, com senso crítico e conhecimento, é difícil de ser explorada e manipulada. Como diria Darcy Ribeiro:

A crise da Educação no Brasil não é uma crise, é um projeto.”

Darcy Ribeiro

O meu foco neste texto, portanto, é a atuação de professores vocacionados, sérios e dedicados. Profissionais que querem contribuir para o país e para o mundo com seu trabalho e que buscam produtividade, não “produtivismo”.1 Pessoas preocupadas menos com o número de itens no seu currículo e mais com a relevância da sua contribuição para a sociedade. Afinal de contas, é ela que paga o nosso salário!

Currículo Lattes: qualquer um pode saber o que fazemos

Tudo que nós professores fazemos precisa ser registrado numa plataforma oficial pública, que se chama Lattes. Qualquer um pode consultar nosso currículo ali, realizando uma busca no website.2

Mentir no Lattes é crime e pode redundar em demissão por justa causa. Pessoas já foram processadas e condenadas, perderam seus empregos e também o registro no Conselho Profissional por terem inventado coisas em seus Currículos Lattes.3 Sei que alguns políticos brasileiros famosos fizeram isto e, até o momento, saíram impunes. Mas vez por outra a justiça funciona.

Os melhores currículos Lattes não são necessariamente os maiores. Alguns destes somente fazem “barulho”. Um bom currículo é aquele que tem consistência, que apresenta uma produção que contribui verdadeiramente para o conhecimento e para o ensino. Já dei no passado uma palestra com o título abaixo e, com certeza, esse tema retornará à pauta neste blog:

“Currículo que Lattes não morde.”

O fato é, com o acesso amplo à Web, cada item do nosso Lattes pode ser facilmente checado por qualquer um: tanto a existência da produção, quanto sua qualidade. E professores competentes não tem nada a esconder. Pelo contrário! Querem que seu trabalho alcance e beneficie o maior número possível de pessoas.

Mas que trabalho é este mesmo? Sem mais delongas, vamos a ele.

Ensino e sala de aula

O trabalho do professor universitário possui um tripé principal, denominado Ensino, Pesquisa e Extensão. O mais conhecido é o Ensino, portanto, começaremos por ele.

Todo professor precisa lecionar na graduação. A graduação é o primeiro nível de formação universitária, que confere o diploma aos diversos profissionais do mercado. Ministramos disciplinas obrigatórias, que fazem parte da grade curricular do respectivo curso e, também, optativas, que são matérias “extras” de temas complementares.

O professor tem liberdade para propor o assunto das optativas, de acordo com suas pesquisas e com os campos daquela formação específica. Todo graduando precisa obter um certo número mínimo de créditos cursados em optativas, mas ele é igualmente livre para escolhê-las dentre as opções disponíveis.

As disciplinas ocupam um enorme tempo extra-classe do professor, dedicado à correção das provas e trabalhos.

Além disto, é preciso elaborar e atualizar constantemente o conteúdo das aulas, pois as informações mudam o tempo todo, mesmo naquelas áreas que aparentemente se referem ao passado, como, por exemplo, história. O conhecimento científico é vivo e constantemente revisitado e ampliado por novas descobertas e interpretações.

Espera-se que um professor universitário esteja no topo do conhecimento de sua área, o que implica em estudar rotineiramente. Somos eternos aprendizes. Com a expansão da Web, estar atualizado se tornou ainda mais imperativo, já que nossos alunos “googam” o que falamos ali mesmo em sala de aula e nos confrontam na hora.

Portanto, o professor que não se atualiza precisa se acostumar a sofrer questionamentos constantes. É inútil e antiético tentar enrolar essa geração conectada. Sempre que perguntados sobre algo que não sabemos, devemos ser verdadeiros e responder: “Não sei, vou procurar e te dou a resposta na próxima aula”. E cumprir a promessa.

O público universitário pode ser exigente. Em alguns cursos, é comum diversos alunos estarem em sua segunda ou terceira formação. Portanto, possuem tanta bagagem profissional, intelectual ou crítica quanto nós. Podem ser, inclusive, colegas!

Eu já tive, por exemplo, um aluno de graduação que era doutor e professor em uma universidade particular renomada, atuando inclusive em áreas de confluência com as minhas especialidades. Além dele, outros estudantes desta turma eram mais velhos e também graduados em outros cursos. Assim, eu tinha o enorme desafio de elaborar aulas que fossem intelectualmente acessíveis aos jovens e iniciantes e, ao mesmo tempo, interessantes para os iniciados.

Uma parte dos professores em regime de dedicação exclusiva leciona também na pós-graduação, em suas diversas modalidades: cursos de especialização, mestrado profissional, mestrado acadêmico e doutorado. O ensino na pós está intimamente vinculado à Pesquisa, sobre a qual falaremos mais adiante.

Cada universidade possui a sua regra, que pode conter exceções, mas no geral é cobrado dos docentes uma carga horária mínima de disciplinas, todo semestre, somando graduação e pós. Na UFMG, por exemplo, nós precisamos ministrar, no mínimo, 8 horas semanais de aula por semestre. Participações em congressos, cursos e palestras não entram nesta conta, somente aulas na graduação e pós-graduação stricto sensu (mestrado e doutorado).4

Seminário no auditório do Centro de Atividades Didáticas – CAD 3 UFMG. Entrada do edifício e do auditório do CAD 3. Fotos: Ana Cecília Rocha Veiga.

Orientações

Além da sala de aula, o professor também ensina os estudantes através da orientação. Cada professor é “tutor” oficial de um número considerável de orientandos.

Na graduação, são bolsistas de iniciação científica5, estagiários de projetos de Extensão ou alunos cursando determinadas atividades obrigatórias, como estágio curricular e Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Na pós-graduação, o professor orienta as monografias (conclusão de especialização, dissertação de mestrado ou tese de doutorado). Nos laboratórios e grupos, orientam estudantes pesquisadores e monitores. Tudo isto implica em muito trabalho através de reuniões, leituras, e-mails e produção de relatórios.

“Extraoficialmente”, nós docentes, com frequência, somos solicitados a ajudar o orientando a lidar com os seus dilemas existenciais, dificuldades pessoais diversas e questões emocionais, especialmente no ambiente da pós, mas também na graduação, onde os conflitos sobre a escolha do curso e sobre o futuro profissional costumam emergir.

Num mundo ideal isto seria feito com o auxílio de profissionais especializados em recursos humanos e saúde mental, providenciados pela própria universidade, como ocorre em muitos países desenvolvidos. Na prática, entretanto, as instituições públicas brasileiras não têm infraestrutura e pessoal suficientes para isto. Assim, o professor precisa lidar com seus próprios problemas e com os de seus estudantes, quase sempre sem suporte institucional adequado.

Bancas

Os processos de avaliação, como as bancas, são decorrentes das orientações. As bancas são sessões, geralmente públicas, nas quais as monografias dos estudantes de graduação e pós-graduação são avaliadas. O aluno conduz uma defesa oral do seu trabalho. Em seguida, cada membro da banca discorre críticas, elogios, sugestões e perguntas ao avaliado.

As bancas consomem um tempo enorme. Previamente, para ler a monografia e listar pontos de discussão. No dia, participando da banca. Como referência, quando defendi minhas monografias, minha banca de mestrado durou cerca de quatro horas e minha banca de doutorado, cinco.

Posteriormente à banca, o orientador prossegue auxiliando o discente na implementação das melhorias sugeridas e na execução da burocracia envolvida (assinaturas de atas, entregas oficiais dos volumes da monografia para a biblioteca etc.). A burocracia anterior à banca também é bastante extensa, envolvendo convites para os membros, cadastros no sistema, agendamentos e por aí vai.

Cursos e palestras

Tudo relatado até aqui faz parte do trabalho rotineiro e não redunda em ganho financeiro extra, com pouquíssimas exceções, como as aulas na especialização.

Os professores ministram ainda palestras, cursos de extensão ou de curta duração. Estes cursos fazem parte, por exemplo, de programas internos de capacitação dos próprios docentes e técnicos administrativos da universidade. Podem ser fruto de parcerias com empresas e instituições ou, ainda, estarem abertos para toda a comunidade externa, de modo que qualquer um possa se matricular. Falaremos mais sobre isto na Extensão. Nestes casos, o professor costuma receber uma remuneração específica por hora ministrada, custeada pelas próprias taxas do curso.

Entretanto, diversos cursos não são remunerados, principalmente quando voltados para a própria academia e instituições parceiras de pesquisa. Durante a pandemia de Covid-19, inúmeros professores, inclusive esta que vos escreve, ministraram cursos gratuitos de capacitação em Tecnologias da Informação e Comunicação direcionados aos próprios colegas, objetivando a preparação para o ensino remoto emergencial.

Isto nos leva ao último item relativo ao Ensino que eu gostaria de ressaltar: a preparação de conteúdo didático.

Produção de material didático

Cabe ao docente elaborar para suas disciplinas os planos de ensino, planos de aula, apostilas, roteiros, além de recursos adicionais, como jogos, mapas mentais, experimentos científicos, simulados, visitas técnicas e viagens.

Os materiais didáticos podem ser impressos e também digitais. Creio que todas as universidades hoje em dia adotam algum ambiente virtual de aprendizagem, uma plataforma on-line na qual colocamos os conteúdos de apoio, as presenças e as notas.

A UFMG adotou o Moodle há mais de uma década, a plataforma de aprendizagem mais utilizada no mundo. Portanto, faz parte da minha rotina atualizar-me nesta ferramenta, alimentando o espaço digital das minhas disciplinas com arquivos, vídeos, fóruns, questionários, wikis etc.

Print da tela do Moodle da minha disciplina de Planejamento do curso de Museologia da UFMG.

No meu caso, ainda, que pesquiso e trabalho com gestão e Web, desenvolvi e coordeno um portal acadêmico pessoal – Webmuseu.org – e um laboratório virtual institucional – LavMUSEU.org, este último vinculado ao meu departamento.

É comum os professores manterem canais didáticos e de comunicação adicionais com seus estudantes, como colaboração por meio de softwares de gestão, intranets, fóruns, grupos em redes sociais ou aplicativos de mensagens.

Não tenho WhatsApp e Telegram, portanto, não os aconselho, pois sobrecarregam os professores em suas horas de descanso e lazer. Existem opções mais eficientes e profissionais, como fóruns, intranets e Slack. Não obstante, são extremamente comuns no meio acadêmico, principalmente nos laboratórios e grupos de pesquisa.

Pesquisa: gerando conhecimento inédito

O Ensino é o objetivo primordial da universidade e, com certeza, ocupa boa parte do tempo do professor. Contudo, no caso dos docentes das instituições públicas brasileiras, especialmente aqueles em regime de dedicação exclusiva, espera-se que sejamos não apenas propagadores do saber, mas também produtores de conhecimento.

Segundo relatório da Clarivate Analytics6, mais de 95% da pesquisa brasileira é feita nas universidades públicas. Apenas 15 universidades brasileiras, todas federais e estaduais, concentram mais de 60% dessa produção de conhecimento, consolidado em publicações acadêmicas. Este trabalho é coordenado e executado por nós, docentes.

No exterior existem carreiras que são exclusivas para pesquisadores. São raros, em nosso país, os cargos permanentes deste tipo, que podem ser encontrados, por exemplo, em alguns institutos públicos e empresas tecnológicas. O que predomina no Brasil são as bolsas temporárias.

O trabalho de pesquisa é organizado por meio de projetos, grupos e laboratórios. Conciliar estas funções – ensino e pesquisa – tem as suas vantagens, pois ao produzir conhecimento novo, com a participação dos alunos, estamos inclusive potencializando o aprendizado, tanto deles, quanto nosso.

As investigações científicas são planejadas nos projetos de pesquisa, que envolvem diversas etapas gerenciais. O pesquisador precisa:

  • Identificar um tema relevante a ser pesquisado no seu campo de expertise.
  • Realizar um amplo estudo e levantamento do que já foi produzido sobre aquele assunto ao redor do mundo, consultando as bibliotecas físicas e digitais de publicações acadêmicas.
  • Descobrir algo que possa ser pesquisado sobre aquele tema que gere novas contribuições.
  • Estruturar a proposta de pesquisa através de um documento contendo contextualização, justificativa da importância do tema, referências, métodos científicos a serem adotados, planos de trabalho dos parceiros e orientandos, escopos e cronogramas físico-financeiro etc. É o que chamamos de projeto de pesquisa.
  • O projeto é então enviado para aprovação nas devidas instâncias obrigatórias. Por exemplo, métodos envolvendo seres humanos precisam ser aprovados pelo Comitê de Ética da universidade, inclusive projetos de ciências sociais que incluam entrevistas, questionários, grupos focais, etc.
  • Demandando recursos extras, o projeto será submetido, ainda, aos editais e agências de fomento, para obtenção de verba.
  • Obtida a verba, o coordenador prossegue com toda a burocracia envolvida, como registros nas plataformas oficiais, bancas de seleção de bolsistas, compra e importação dos equipamentos e insumos. E assim por diante.
  • Até aqui a pesquisa está apenas começando… Agora é necessário realizar o projeto em si, que pode durar vários anos. Como exemplo, encerramos, em 2019, um projeto internacional que durou 5 anos e envolveu 5 instituições de dois países e 37 pessoas, incluindo profissionais e pesquisadores.7
  • Os resultados são publicados em artigos científicos. Também podem gerar artigos para congressos, livros ou capítulos de livros, documentários, websites, cartilhas, manuais, exposições, eventos, disciplinas, cursos, dentre outros.
  • Concluído o projeto, é preciso produzir o relatório final, avaliação pós-projeto e a prestação de contas.

Escrita acadêmica: ler e escrever é rotina obrigatória

Parte importante do processo de pesquisa é a escrita dos artigos científicos e livros acadêmicos, contendo os resultados encontrados.

Hoje em dia qualquer um publica um livro, nunca foi tão fácil fazê-lo na forma de e-book ou numa gráfica rápida… ainda bem! Viva os livros, viva a leitura. (Um parêntese: o outro lado desta moeda é que ler livros não é sinônimo de estar se informando corretamente. Tão importante quanto ler é realizar uma boa curadoria do que se lê.)

Para valer como produção acadêmica, o livro precisa ser validado por um Conselho Editorial e cumprir uma série de critérios técnicos. Por isso, é concorrido, demorado e difícil publicar livros por boas editoras. As mais valorizadas são as pertencentes às próprias universidades e as comerciais que possuem um catálogo amplo na mesma área de pesquisa do docente.

Já os artigos científicos são trabalhos desenvolvidos e redigidos a partir de regras e métodos consolidados pela ciência, contendo todas as informações essenciais da pesquisa e suas conclusões. Deste modo, qualquer cientista será capaz de averiguar a qualidade daquele conteúdo, reproduzir aquele estudo e conferir se os seus resultados ficaram dentro da margem de erro enunciada pelos autores.

Grande parte das pesquisas possuem critérios e resultados qualitativos. Nem por isso, deixam de ser rigorosos e validados cientificamente, claro.

O rigor da pesquisa está intimamente associado ao prestígio do veículo na qual ela conseguirá ser publicada. Quanto mais criteriosa, inédita e impactante for a pesquisa, mais chances ela terá de sair em periódicos conceituados. Existem várias formas de classificação destas revistas, mas como tudo na vida, os sistemas de classificação não são perfeitos.8

Não obstante, concordando ou não com estes sistemas falhos, a questão da qualidade das revistas nas quais publicamos é uma preocupação constante. Um professor que não publique com frequência em editoras e periódicos respeitáveis pode sofrer consequências. Por exemplo, ser impedido de atuar na pós-graduação ou ter as suas progressões de carreira limitadas.

Publicar em bons periódicos e editoras não é uma mera questão de “sobrevivência”, mas de garantir a contribuição da pesquisa, de modo que ela possa alcançar outros especialistas ao redor do mundo, divulgando ainda a nossa visão e a nossa cultura. Assim, muitas das nossas publicações mais importantes são feitas prioritariamente em inglês, a língua mais difundida atualmente no meio científico.

Uma complexidade adicional desta questão da língua, no que se refere às publicações, é que diversos projetos possuem foco específico nas questões do próprio país ou cidade. Assim, os pesquisadores optam por publicar na língua nativa, já que somente 5% dos brasileiros declaram ter conhecimentos do inglês, sendo um percentual menor ainda fluente na língua.9

A acessibilidade, compreensão e leitura do texto naturalmente será maior aqui se for escrito em português. Contudo, publicações internacionais têm maior potencial de extroversão do conhecimento, pontuam mais em concursos, editais, ranques universitários e avaliações diversas. E o professor precisa, então, ponderar inúmeros fatores para tomar suas decisões.

Escreverei sobre estes assuntos – classificação das publicações, inglês, estudos decoloniais, etc. – em outra ocasião no blog, pois há um infindável debate, por exemplo, acerca desta hegemonia das línguas estrangeiras nas publicações científicas. Mas a síntese é: se alguém quer estar plenamente atualizado em qualquer área do conhecimento ou pretende difundir a sua pesquisa para além dos muros da nossa belíssima língua portuguesa, no mundo de hoje, precisa do inglês. Talvez a situação ideal seria que o conhecimento estivesse disponibilizado na língua nativa do pesquisador e na língua universal predominante do seu tempo, simultaneamente.

Por tudo isso e muito mais, publicar nem sempre é um processo simples ou inteiramente justo, pois excelentes pesquisas e projetos, às vezes, não conseguem os recursos e o reconhecimento que mereciam, enquanto o oposto também se verifica.

São injustiças que, cabe ressaltar, não configuram exclusividades da academia, mas permeiam todo o mercado de trabalho em qualquer lugar do mundo. Estes dilemas que listo aqui, aliás, são igualmente observados e discutidos nas universidades estrangeiras.

Revisão por pares: avaliando e sendo avaliado pelos colegas

Escrever textos acadêmicos pode ser bastante laborioso, demorando às vezes anos para que o artigo ou o livro seja finalmente publicado. A lentidão e dificuldade do processo se deve, também, ao fato de que editoras e revistas acadêmicas relevantes só publicam conteúdo avaliado por pares, ou seja, aprovado por outros pesquisadores especialistas naquele tema.

Cada proposta de artigo científico costuma receber, no mínimo, duas avaliações. Estas avaliações geralmente são duplo cego: nem os autores sabem quem os avaliam e nem os avaliadores sabem quem são os autores. Os nomes e itens que podem identificar os pesquisadores são removidos desta versão preliminar. Se os avaliadores derem pareceres divergentes, um terceiro parecerista pode ser convocado para desempatar.

Os revisores preenchem um questionário comentando os diversos aspectos do artigo e manifestando um veredicto final, por exemplo: aprovado para publicação imediata, aprovado com correções (os autores as implementam e submetem novamente para avaliação), não aprovado. O editor ou os revisores podem apontar, ainda, que o artigo tem qualidade, mas não se adéqua à linha editorial do periódico. Neste caso, encaminha-se a proposta para outra revista que se encaixe melhor ao tema.

Além de sermos avaliados pelos pares, nós os avaliamos. Portanto, faz parte de nossas atribuições sermos revisores de periódicos e/ou membros de conselhos editoriais. Também fazemos pareceres acerca da produção científica de nossos colegas via comitês, editais, agências de fomento, juris de prêmios acadêmicos, concursos etc.

Seja escrevendo seus próprios textos, seja examinando o trabalho de alguém, o professor precisa estar acostumado a ler e a escrever, habilidades indispensáveis à vida acadêmica.

Este tema é tão dramático no contexto universitário que há um ditado famoso que diz: “Publish or perish”.

Publique ou morra!

Esta ânsia por publicar tem aspectos positivos – como divulgar e democratizar o conhecimento – e outros bastante negativos – como gerar competição selvagem e comportamentos questionáveis por parte de alguns pós-graduandos e docentes, ansiosos por publicar. Mas isso é tema para outros posts. Por hora, basta o leitor saber que quase todo docente de universidade preocupa-se diuturnamente com sua produção escrita.

Além dos artigos para periódicos, publicamos nos anais dos eventos científicos, que também envolvem apresentação oral e/ou produção de pôsteres. São congressos, seminários, simpósios, feiras, exposições etc. Devemos não somente participar destes eventos, como também organizá-los.

Divulgação científica

Existem, por fim, os inúmeros canais externos ao meio universitário: artigos de opinião para jornais, livros de “vulgarização” (temas científicos escritos de forma acessível para o público leigo) e até posts de blog, como este.

O que eu estou fazendo aqui nesta plataforma é o que chamamos de divulgação científica. Ou seja, transpor os muros da academia e da sua linguagem técnica, comunicando, para a sociedade em geral, informações acerca do nosso trabalho e dos resultados das nossas pesquisas. Esta comunicação pode ocorrer por escrito ou por palestras, entrevistas, debates, programas televisivos, podcasts, canais de vídeo, etc.

Espera-se que o professor contribua para disseminar o conhecimento nas mais diversas mídias. Esta forma de retorno à sociedade está intimamente ligada à Extensão.

Extensão: a universidade servindo à comunidade externa

A Extensão é a conexão entre a universidade e a sociedade, entre a comunidade acadêmica e a comunidade externa. É claro que o Ensino e a Pesquisa também fazem isto, contudo, os setores e projetos de extensão são voltados especificamente para este fim.

Alguns exemplos de ações de Extensão são os exames e atendimentos à população nos hospitais universitários, projetos comunitários e de cidadania, palestras e cursos livres nos quais qualquer um pode se matricular, atividades culturais, como as exposições realizadas nos museus universitários.

São literalmente milhares de ações todos os anos, abertas ao público em geral e envolvendo as muitas universidades estaduais e federais do país.

Atendimento odontológico na UFMG. Foto: Eber Faioli – UFMG Flickr.

O compartilhamento da infraestrutura das universidades, que pode ser frequentada por todos, é parte importante deste elo com a sociedade. Nos nossos espaços, acontecem a maior parte dos projetos extensionistas.

A título de exemplo, a UFMG, onde leciono, possui:

  • 2 hospitais universitários, com mais de 500 mil atendimentos por ano.
  • 25 bibliotecas, com mais de 1 milhão de itens ao total.
  • 1 carro-biblioteca, projeto iniciado em 1973, sendo o segundo programa de Extensão mais antigo da UFMG.
  • 1 Parque Tecnológico, o BH TEC, do qual a UFMG é sócia-fundadora.
  • 1 hospital veterinário.
  • 1 Estação Ecológica, que além de usada para pesquisa e preservação ambiental, também pode ser visitada pela população.
  • Campus Cultural UFMG, na cidade de Tiradentes: complexo que envolve espaços físicos históricos abrigando museu, biblioteca e espaço cultural.
  • Rede de Museus da UFMG, somando 25 museus e espaços de memória, incluindo o Espaço do Conhecimento da UFMG, no Circuito Liberdade, maior complexo cultural do país.
  • Centro Esportivo Universitário, que conta com 176 mil metros quadrados e infraestrutura de padrão internacional.
  • Feiras e festivais anuais, sendo um dos mais famosos o Festival de Inverno, o mais antigo de Minas Gerais, com exposições, apresentações e oficinas, dentre outros temas ligados à cultura.
  • Grupos artísticos, teatrais e musicais, como o premiado Coral Ars Nova e a Orquestra Sinfônica da Escola de Música da UFMG.
  • TV e Rádio Universitária, que elaboram inúmeros programas didáticos e informativos.
Coral Ars Nova da Escola de Música da UFMG (Foto: Foca Lisboa, UFMG Flickr), Espaço do Conhecimento UFMG (Foto: Website oficial do espaço), Museu de Ciências Morfológicas da UFMG e Museu de História Natural da UFMG (Fotos: Ana Cecília Rocha Veiga).

Faz parte de nossas atribuições coordenar os equipamentos e projetos de extensão. Envolvem etapas similares aos projetos de pesquisa, com a peculiaridade de que precisam ter como foco a inclusão da comunidade externa. É comum, aliás, que projetos de pesquisa tenham interface em Extensão e vice-versa, sendo, às vezes, tênue estas diferenciações. Não obstante, os setores e procedimentos administrativos são distintos.

Assim, todas as etapas burocráticas e executivas dos projetos de pesquisa se aplicam à Extensão: elaboração da proposta, aprovação, captação de recursos, formação de equipe, execução, avaliação pós-projeto, prestação de contas, publicação de artigos e livros, etc. E somos nós, os docentes, quase sempre, os proponentes, coordenadores e executores destas ações.

Administração: o campus universitário é uma cidade

As atividades acadêmicas precisam ser geridas. Assim, a universidade é dividida em inúmeras estruturas administrativas, como pró-reitorias, congregações, colegiados, departamentos, comissões, laboratórios, para citarmos alguns.

Todo docente é chamado a cumprir uma parcela de encargos administrativos, que conta inclusive para fins de progressão na carreira. É comum que seja necessário assumir mais de uma posição ao mesmo tempo: representações na Câmara e na Congregação da unidade, por exemplo.

Não raro, os gestores de museus universitários precisam continuar com os seus demais encargos didáticos, sem redução de trabalho por conta da posição de diretor. Conciliar todas estas frentes é um enorme desafio gerencial! Já altos cargos hierárquicos, como reitoria e direção de faculdade, envolvem dispensa de grande parte das demais obrigações rotineiras.

Com exceção das células menores deste sistema, como grupos de pesquisa e pequenos laboratórios, a grande maioria dos cargos são conferidos por meio de eleições democráticas, da Reitoria às Câmaras Departamentais. Dentro da universidade, o resultado das eleições é sempre respeitado e o primeiro lugar toma posse.

No âmbito federal, os cargos de Reitor e Vice-Reitor, porém, são os únicos que exigem nomeação externa, realizada pelo Presidente da República. O primeiro lugar eleito nos pleitos das nossas universidades tem sido historicamente acatado há muitos anos, dentro do espírito democrático constitucional que garante autonomia às instituições públicas federais de ensino. Ou seja, os presidentes vinham respeitando o resultado da votação, nomeando sempre os vencedores.

Entretanto, a partir de 2019, reitores mais votados não foram empossados em mais de uma dezena de universidades federais, sendo nomeados docentes que não venceram as eleições. Não deve ser uma posição confortável para estes professores conviverem com colegas e estudantes diariamente, sabendo que estão ocupando um cargo para o qual não foram democraticamente eleitos.10

Isto é um dos muitos exemplos dos desgastes diários que enfrentamos atualmente, no Brasil, quando trabalhamos com educação pública. Por outro lado, isto também prova que a academia é plural. Possuímos docentes de direita e de esquerda, democráticos e com tendências autoritárias, comprometidos com o espírito acadêmico ou não. Como em todo lugar, nesta multidão tem de tudo.

Tive vários professores e tenho vários colegas que estão nos espectros políticos, filosóficos, religiosos, morais, etc. muito diferentes dos meus. E no próprio espectro da esquerda que, aqui e ali, pode predominar, as concepções variam bastante internamente. A afirmação de que possuímos um pensamento homogêneo é outro grande mito acerca das universidades públicas. Assim como o sucateamento da Educação indica ser um projeto, perpetuar estes mitos também.

Bom, retornando para a máquina administrativa da universidade, somos responsáveis por toda sorte de tarefas acadêmicas: reuniões periódicas oficiais das representações, aprovação de projetos e encargos, produção e avaliação de relatórios, definição das grades curriculares e das disciplinas de cada curso, para ficarmos nas tarefas mais corriqueiras.

Por fim, o campus é, literalmente, uma cidade. Com efeito, a comunidade acadêmica de uma grande universidade pública costuma ser bem maior do que inúmeras cidades brasileiras, envolvendo dezenas de milhares de pessoas.

São professores, funcionários e estudantes, contabilizando só os vinculados, fora a comunidade externa que frequenta o espaço. Os campi precisam ser geridos por nós docentes, em colaboração com os técnicos-administrativos em educação (funcionários concursados) e profissionais terceirizados (limpeza, segurança, manutenção, etc).

Campus da UFMG na Pampulha, Belo Horizonte, MG. Foto: Foca Lisboa – UFMG Flickr.

Para fecharmos a parte gerencial, arrisco dizer que praticamente 100% dos professores perguntados dirão que gastam muito mais tempo com atividades administrativas do que gostariam. Estes mesmos concordarão que tais atividades precisam ser executadas, de algum modo. Nas melhores universidades dos países desenvolvidos, os professores possuem bem mais apoio nesse sentido, com ajuda de profissionais que assumem grande parte das tarefas que aqui são executadas por nós, docentes.

Faltam técnicos em muitos setores, sobrecarregando não só os funcionários na ativa, como também estudantes e professores. A situação se agravou bastante recentemente, com vários técnicos antigos se aposentando, inclusive por causa da conjuntura do país, com os cortes crescentes das verbas e os ataques às instituições públicas de ensino superior.

Este cenário tem acirrado o fenômeno conhecido como fuga de cérebros, no qual pesquisadores e professores estão deixando o país para atuarem nas universidades e institutos estrangeiros. Como grande parte destes profissionais se formaram em universidades públicas, o país perde duplamente: o dinheiro investido na capacitação destes expatriados e os conhecimentos produzidos por eles, que serão patenteados e monetizados no exterior.

Precisamos urgentemente falar dos cortes de verbas da educação, da cultura e da ciência no Brasil!

Captação de recursos: os cortes de verbas e a saga do pesquisador brasileiro

A captação de recursos é uma preocupação constante dos docentes, que precisam buscar formas de arcar com seus projetos, laboratórios e atividades, em um período no qual os editais das agências de fomento estão cada vez mais competitivos e escassos. O corte crescente de verbas da educação e da pesquisa é anterior à pandemia e se agravou substancialmente com ela.

No mundo civilizado a ciência e o conhecimento são subsidiados em grande parte pelos governos, ainda que as empresas ajudem nisto. Fala-se tanto no modelo de parceria público-privada norte-americano, mas lá o financiamento corporativo representa entre 5% e 7% do total das despesas de pesquisas em universidades dos EUA, não substituindo, portanto, os fundos federais.11

Um país soberano e livre não pode abrir mão de desenvolver suas próprias tecnologias, patentes e descobertas científicas.

Vejamos o exemplo da vacina contra a Covid-19. Tínhamos toda a capacidade intelectual, técnica e de infraestrutura para termos desenvolvido, logo no começo da crise planetária, nossa própria vacina e nossos próprios testes. Por causa da pouca verba, essas pesquisas estão em andamento com sucesso nas universidades públicas brasileiras, mas atrasadas em relação à demanda urgente. Não faltou capacidade, faltou vontade política e investimentos financeiros.

Enfim, em um país no qual sobra negacionismo e ignorância, muitos perdem tudo com isso, até a própria vida.

“FAPEMIM”: pós-graduandos e professores custeiam suas pesquisas e projetos

Neste cenário desolador, é corriqueiro que nós, professores, tenhamos que arcar com parte dos recursos necessários à execução do nosso trabalho.

Há anos que não há verbas suficientes para custear nossas atividades e tiramos do bolso, com frequência, computadores e equipamentos, traduções, impressões para atividades de aula, dentre outros recursos.

Alguns professores chegam a pagar a manutenção e insumos de laboratórios com materiais sensíveis, como os de biologia, porque senão todo o trabalho prévio será simplesmente perdido! E a lista de gastos pessoais que não deveriam existir é enorme.

As bolsas estão cada vez mais raras, portanto, os pós-graduandos normalmente são sustentados por suas famílias. Aqueles que trabalham enquanto estudam têm dificuldades de concluir seus projetos com a qualidade e prazo desejáveis.

O fato é que a capacitação docente, com frequência, fica em grande parte por nossa conta. Compra de livros e cursos diversos, como os de línguas estrangeiras, informática, congressos, certificações e por aí vai. Especialmente no caso dos docentes, tudo isto configura material de trabalho obrigatório, pelo qual somos inclusive avaliados em nosso desempenho. Portanto, deveriam ser inteiramente custeados pela instituição.

Após o doutorado (a última titulação oficial), os professores podem fazer um pós-doutorado, que não confere titulação (não existe “pós-doutor”), mas envolve a realização de um período de imersão e pesquisa em uma instituição de renome, comumente no exterior. Conheço vários docentes que não conseguiram bolsa e arcaram com estes gigantescos gastos. É a transferência para o próprio professor dos custos de pesquisa e internacionalização, indispensáveis ao aperfeiçoamento.

Costumo computar estes gastos extras com meu trabalho. Apelidei esta “rubrica” no meu orçamento financeiro de FAPEMIM – Fundação de Amparo de Mim Mesma, um humorado trocadilho com a nossa agência mineira FAPEMIG. Em 2019, acho que bati o meu recorde, pois gastei mais de um mês de salário investidos na minha carreira e pesquisas via FAPEMIM.

Somos obrigados, por lei, a agradecer a todos aqueles que custeiam nossas pesquisas e projetos. Neste sentido, gostaria de agradecer à minha família e a todas as demais dos pós-graduandos e docentes brasileiros, por patrocinarem a produção de conhecimento e a ciência em nosso país.

Internacionalização: integrando a comunidade científica mundial

A comunidade científica é uma comunidade internacional. Com o grau de conexão digital que possuímos hoje, gerar conhecimento inédito implica, portanto, acrescentar novidades e contribuições não apenas ao que é produzido localmente, mas na aldeia global.

Somos cobrados, como pesquisadores, a internacionalizarmos nossa produção, o que envolve o aprendizado de línguas estrangeiras, que serão utilizadas em leituras, eventos, e-mails, reuniões e na tradução dos artigos científicos. Esta internacionalização faz parte dos critérios de avaliação do nosso desempenho, para fins de progressão, obtenção de verbas para projetos e credenciamento como docente nos programas de pós-graduação.12

Outra forma de avaliação desta inserção consiste nos rankings internacionais. Estes rankings classificam as universidades de acordo com critérios diversos, tais como:

  • Ensino (ambiente de aprendizado).
  • Pesquisas (quantidade, investimentos e reputação).
  • Citação (número, influência e alcance da produção).
  • Perspectiva internacional (cooperação e intercâmbio de docentes e discentes).
  • Reputação da instituição perante os empregadores (reconhecimento do mercado de trabalho).
  • Renda na indústria (capacidade de contribuir com o setor industrial por meio de inovações, invenções e consultorias).
  • Dentre outros critérios de classificação.

A despeito destas classificações serem passíveis de inúmeras críticas, por exemplo, por não levarem em consideração as demandas e contextos locais das instituições, as principais universidades públicas brasileira são sempre bem ranqueadas, ficando à frente inclusive de importantes instituições europeias.

Isto faz cair por terra inúmeras fake news e absurdos que são propagados a nosso respeito. Fica difícil acreditar que há um complô interplanetário para privilegiar em rankings mundiais estes “antros de balbúrdia e produção de entorpecentes ilícitos”. (Aliás, quem nos acusou disto foi condenado na justiça pela calúnia!)

Os dois extremos são inverídicos. A universidade pública não é fantástica, longe disto, possui muitos problemas graves. E também não é um celeiro de “parasitas”: conta com muita gente competente e trabalhadora.

Eu creio que os principais problemas que ocorrem na universidade não são decorrentes dela em si, mas do nosso contexto como um todo. A universidade é feita por pessoas comuns, portanto, é reflexo de nossa sociedade. Tudo que tem na sociedade, de bom e de mal, tem aqui também.

Retomando, a internacionalização envolve o acolhimento de professores, pesquisadores e estudantes estrangeiros. Ocorrem também durante os congressos e os programas de intercâmbio. Quando no exterior, somos recebidos por eles. Quando em solo brasileiro, procuramos ser carinhosos e hospitaleiros. Precisamos acompanhá-los a maior parte do tempo, já que o brasileiro raramente fala o inglês.

Congresso MuseWeb 2019 Boston – Museum and the Web. Foto: Ana Cecília Rocha Veiga.

Participar e/ou organizar um evento internacional é um serviço de tempo integral, sem descanso. Antes, durante e depois do evento. Enquanto ele está acontecendo, demanda raciocinar o tempo todo na lógica de outra língua e de outros costumes. O choque cultural é inevitável e isto é muito interessante, mas desgastante. Você fica à disposição 24 por 7, como se diz. Terminamos a semana esgotados, física e mentalmente.

É gratificante aprender com os estrangeiros e ensinar também, divulgando a produção e a rica cultura brasileira. A experiência, portanto, tem ganhos não só acadêmicos e científicos, mas também em termos do nosso crescimento como ser humano. Como quase todo trabalho, aliás, na vida de um professor universitário.

O fato é que as universidades públicas brasileiras são verdadeiras metrópoles cosmopolitas, onde se pode encontrar, a todo momento, na fila da cantina ou nos bancos da sala de aula, alunos de todo o Brasil e do mundo inteiro. E isto é incrível!

Vida acadêmica: a carreira docente vale muito a pena

Se o leitor chegou até aqui, compreende agora por que professores, com frequência, sentem-se tão sobrecarregados. Entende, por outro lado, por que escolhemos esta profissão. A docência é uma atividade gratificante e nobre, com altíssimo potencial de contribuição para o país e para o mundo. Isto vale todo o nosso esforço!

Contudo, ainda mais nas condições precárias do Brasil, que não valoriza a ciência e a educação, o exercício da docência pode ser muito estressante.

Neste sentido, a missão deste blog inclui compartilhar com acadêmicos e demais profissionais do trabalho intelectual a minha busca diária por produtividade com qualidade de vida. Eu acredito firmemente que podemos conciliar esta profissão com uma vida pessoal rica. Nossa rotina pode ser produtiva e intensa, mas gratificante e saudável. Não é fácil, mas é possível. E vocês podem ajudar nisto.

Na próxima vez que ouvir alguém afirmar que professores de universidades públicas têm “muito tempo livre” ou “trabalham pouco”, compartilhe com essa pessoa a nossa realidade.

Todo brasileiro, mesmo que não tenha estudado um uma universidade pública, colhe os seus diversos frutos, desde os projetos de extensão, passando pelos museus universitários até as patentes e descobertas científicas. Acompanhe os noticiários das universidades, nos portais oficiais, para ficar por dentro de tudo.

Para aqueles que estudaram nos campi, tenho certeza de que cada um de nós – ex-alunos – pode enumerar, senão vários, pelo menos um professor que nos impactou profundamente, transformando o nosso saber, o nosso pensamento ou a nossa vida para melhor.

Se o leitor for um colega, que sejamos este profissional transformador. Se for um candidato à docência, saiba que, apesar das dificuldades, grandes emoções e um forte senso de realização serão seus companheiros constantes nesta jornada. Se for um estudante, valorize o seu professor!

Direto das mentes e dos muros para o blog!

Notas

1 – Produtividade x “Produtivismo”.

Produtivismo é um termo que designa aquele tipo de comportamento acadêmico voltado para “maquiar” ou “encher currículo”. Um professor preocupado com produtividade quer ter alta performance com contribuição efetiva, fazendo seu trabalho com integridade. Um docente “produtivista” preocupa-se mais com a aparência e com a quantidade da sua produção, não com sua qualidade. O produtivismo é antiético e antiacadêmico.

2 – Currículo Lattes.

A plataforma Lattes é mantida pelo órgão governamental CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Leva o nome de um reconhecido cientista brasileiro, Césare Giulio Lattes. Trata-se de uma base de dados contendo os currículos de todos os pesquisadores do país. Ao todo, são quase sete milhões de currículos cadastrados.

Qualquer um pode se cadastrar gratuitamente no sistema, sendo seu currículo associado ao seu CPF. Tudo que colocamos no Lattes é considerado uma declaração oficial pública, ou seja, é fraude mentir no Lattes. Qualquer um pode pesquisar sobre qualquer docente ou pesquisador na plataforma, conhecendo todas as suas atividades e produções.

3 – Perda de registro no Conselho Profissional e condenações por falsidade ideológica para professores que mentiram em seus Currículos Lattes.

O Conselho de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo cancelou o registro profissional de uma arquiteta e urbanista que falsificou diplomas de mestrado e doutorado no seu Lattes. O currículo foi utilizado para assumir a coordenação do curso de Arquitetura e Urbanismo de uma faculdade do interior paulista.

Dois professores também foram condenados na justiça por falsidade ideológica, por mentirem em seus Lattes.

Digite “políticos que mentiram no Lattes” nos mecanismos de busca para ler sobre diversos outros casos.

4 – Os diferentes tipos de pós-graduação.

Existem dois tipos principais de pós-graduação no Brasil, chamados de lato sensu e stricto sensu.

As pós-graduações lato sensu envolvem os programas de especialização, incluídos os chamados MBA (Master Business Administration). Trata-se de cursos com duração mínima de 360 horas-aula. O aluno ao final recebe um diploma. Normalmente, é preciso apresentar um artigo ou monografia para obtê-lo. As pós-graduações lato sensu com frequência são pagas, mesmo nas universidades públicas, e voltadas mais para a formação de profissionais do mercado de trabalho não acadêmico.

Já as pós-graduações stricto sensu referem-se aos programas de mestrados e doutorados. Neles o objetivo é a produção de conhecimento inédito e a formação de pesquisadores. Assim como a graduação, a pós-graduação stricto sensu nas universidades públicas são gratuitas. Alguns serviços públicos, nichos de consultoria e empresas valorizam profissionais com mestrado e doutorado. Contudo, em geral, esta titulação é mais necessária e reconhecida no âmbito acadêmico.

Já os chamados mestrados profissionais têm uma ênfase maior na capacitação do profissional atuante no mercado de trabalho externo às universidades e centros de pesquisa, ainda que possam ser uma porta de entrada para a carreira de pesquisador.

No padrão geral, o mestrado dura dois anos e seu produto é uma monografia denominada dissertação de mestrado. O doutorado dura quatro anos e seu produto é uma monografia denominada tese de doutorado. A diferença entre a dissertação e a tese é o grau de exigência quanto ao seu ineditismo e contribuição, ainda que ambas devam acrescentar, de algum modo, algo novo ao conhecimento existente. Esta exigência não é observada no trabalho de conclusão de curso das especializações (lato sensu).

O pós-doutorado (também apelidado de “pós-doc”) não é uma titulação, não existe “pós-doutor”. Trata-se de uma atividade de pesquisa após o doutorado, uma temporada oficial que o docente passa em outra instituição, sob tutoria de um professor local. Ao final da temporada, que pode ser de alguns meses ou até anos, é comum que a universidade de origem do docente exija a apresentação de um relatório da pesquisa desenvolvida ao longo do pós-doc.

5 – Bolsa de iniciação científica (IC).

Os estudantes de graduação podem ter os seus primeiros contatos com o universo da pesquisa acadêmica através das bolsas de iniciação científica, que custeiam um valor mensal para que estes se dediquem aos projetos.

Além da pesquisa em si, é comum o estudante bolsista participar de grupos de pesquisa coordenados pelo docente orientador, congressos acadêmicos e eventos científicos, alguns voltados especificamente para os bolsistas de IC.

Existe, ainda, a modalidade iniciação científica voluntária, que implica em praticamente as mesmas atividades e processos que os bolsistas realizam, mas não confere bolsa. Infelizmente, é cada vez mais comum os estudantes trabalharem de graça nos projetos e pesquisas.

6 – Relatório da Clarivate Analytics sobre o Brasil.

A Clarivate é uma empresa norte-americana especializada em serviços de análise, incluindo pesquisa científica e acadêmica. É detentora da ferramenta de dados Web of Science, que é utilizada pelas maiores e melhores universidades do planeta.

Foge ao escopo desta nota as críticas procedentes em relação às estas empresas. Teremos tempo para abordá-las no futuro. O ponto aqui é a representação das universidades públicas nas plataformas mais importantes do meio acadêmico.

Segundo relatório da Clarivates de 2016, considerando a sua base de dados Web of Science, o Brasil ocupava a 13ª posição da produção científica global (mais de 190 países), sendo que mais de 95% das publicações referiam-se às universidades públicas estaduais e federais.

No relatório de 2018, o Brasil continuava a ser o 13º produtor de ciência do mundo e as universidades públicas, as maiores produtoras. Além disto, o relatório constatou que 60% da produção brasileira estava concentrada em apenas 15 instituições, todas universidades públicas. Confira os detalhes nas reportagens a seguir:

Universidades públicas realizam mais de 95% da ciência no Brasil – Artigo UNIFESP

15 universidades públicas produzem 60% da ciência brasileira – Artigo USP

7 – Projeto Pedras Sabidas.

Este convênio internacional de pesquisa gerou um Circuito Acessível de Expositores Interativos no Museu das Minas e do Metal, em Belo Horizonte. O projeto foi premiado internacionalmente e publicado em um livro com as melhores práticas e pesquisas em interatividade inclusiva, editado pelo Access Smithsonian, instituto referência mundial neste tema. Visite o website do projeto e conheça suas etapas, seus resultados e suas publicações científicas.

8 – A classificação das revistas de artigos científicos: os periódicos.

As revistas científicas, denominadas periódicos, são classificadas de várias formas. Em geral, estas classificações levam em consideração a qualidade dos artigos nelas publicados e, principalmente, a quantidade de citações que estas publicações possuem.

Parte-se do pressuposto de que publicações mais consistentes e relevantes serão, portanto, mais lidas e mais citadas pelos pesquisadores. É um sistema de avaliação que possui inúmeras lacunas, como teremos tempo de discutir no futuro.

Quanto mais bem classificado for um periódico, mais difícil é publicar nele. Alguns exemplos de revistas famosas, conhecidas até mesmo fora do meio acadêmico, são a Science, Nature e New England Journal of Medicine.

O resumo da ópera é: na carreira acadêmica, não basta publicar. Há uma forte cobrança para que nós, docentes, publiquemos em revistas bem classificadas. Publicar em periódicos que não são sérios (denominados “predatórios”) pode, inclusive, prejudicar a carreira e a credibilidade do pesquisador.

9 – Relatório British Council sobre o inglês no Brasil.

Clique para ler os relatórios do British Council relativos ao Brasil e América Latina.

10 – Reitores que perderam as eleições e foram nomeados pelo Presidente da República.

15 federais em que Bolsonaro atropelou a eleição de reitores – Artigo Nexo Jornal.

11 – Estatísticas de investimento público em pesquisas nos EUA.

Como os Estados Unidos arruinaram suas universidades públicas – Entrevista com Christopher Newfield, professor da Universidade da Califórnia – Le Monde Diplomatique Brasil.

12 – Credenciamento dos docentes nos programas de pós-graduação.

A participação de um docente na pós-graduação stricto sensu não é automática. O professor precisa solicitar seu credenciamento, preenchendo uma série de requisitos, dentre eles, a internacionalização e a sua produção científica recente, em periódicos bem qualificados.

Caso o professor deixe de atender aos requisitos da pós-graduação, tem o seu credenciamento não renovado e precisa deixar o programa de pós até que os atenda novamente. A participação na pós-graduação impacta as progressões de carreira do docente, sendo um dos critérios de avaliação para progredir de professor Adjunto (doutor) para Associado e, em seguida, para Titular.

Conversar sobre as avaliações da CAPES e o credenciamento de docentes na pós é um capítulo à parte no nosso mapa da vida acadêmica. Outros textos virão!

Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e Paulo Rocha, pelos preciosos comentários e sugestões.

Imagens: Computador com montagem de tela e Lattes (Serpstat, Pexels), Caderno e gráficos (Lukas, Pexels), Mulher apoiada no notebook (Andrea Piacquadio, Pexels), Atendimento odontológico na UFMG (Eber Faioli, UFMG Flickr), Coral Ars Nova (Foca Lisboa, UFMG Flickr), Espaço do Conhecimento UFMG (Website Oficial), Campus Pampulha da UFMG (Foca Lisboa, UFMG Flickr), Maçã e livros (Jarmoluk, Pixabay).

Foto de Ana sorrindo. Ana é uma mulher branca de meia-idade, com grandes olhos castanhos e cabelos ondulados com mechas louras, na altura dos ombros.

Ana Cecília é professora da UFMG. Pesquisa gestão inclusiva e tecnologias da informação e comunicação para museus, bibliotecas e arquivos. Mora em Belo Horizonte, Brasil, com o esposo Alberto e seus dois filhos. Ama escrever, ler, desenhar e viajar.

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