A Inteligência Artificial já está entre nós há um bom tempo. Mas com a difusão de aplicativos gratuitos de IA, como ChatGPT e DeepSeek, presenciamos uma revolução disruptiva no modo como trabalhamos e vivemos.
Neste post, apresento os principais desafios e impactos que a IA já está tendo no mundo do trabalho, mais especificamente, nos museus e nas instituições culturais.
Cibersegurança e Privacidade de Dados
Quando inserimos uma ferramenta digital em nossa rotina de trabalho ou em nossos museus, precisamos levar em consideração a segurança cibernética das informações compartilhadas com essas ferramentas, bem como a privacidade de dados dos usuários – equipe e visitantes.
As ferramentas de IA disponíveis hoje no mercado são uma caixa preta. Não temos como auditá-las e nem possuímos garantia alguma de que seguem as leis gerais de proteção de dados, como a GDPR na Europa e a LGPD no Brasil. Há grandes chances destas empresas não estarem seguindo nem requisitos básicos de respeito aos nossos dados e ao nosso anonimato.
Vejamos os riscos disto quando se trata de IA. Quando um gestor de museu utiliza um aplicativo gratuito de IA para corrigir a gramática e melhorar a qualidade de um texto de um Plano Museológico, a IA está fazendo muito mais do que simplesmente corrigir o português. Ela está aprendendo com aquele Plano Museológico, que pode inclusive conter ideias inéditas e/ou sigilosas.
Quando um visitante interage com uma interface digital com IA no museu, ele pode estar revelando em sua fala dados sensíveis, que não sabemos como serão tratados por essas empresas de IA.
Então, garantir a segurança cibernética e a proteção de dados ao lidarmos com a IA é uma questão que deveria ser tratada com bastante seriedade pelas instituições culturais e científicas.
Coordeno uma pesquisa na UFMG dedicada à cibersegurança e a privacidade de dados nos museus, que levanta outras preocupações sobre o tema e que fogem ao escopo deste artigo. A pesquisa também disponibiliza cartilhas com estratégias para o setor. Link disponível nas notas ao final deste post.
Desinformação, Fake News e Vieses
Assim como já acontece com as redes sociais e com os mecanismos de buscas, os aplicativos de IA podem ser fontes de disseminação de fake news, contribuindo para o grave problema de desinformação que vivemos na contemporaneidade.
A IA permite, ainda, a produção de imagens, áudios e vídeos falsos hiper-realistas, as chamadas deepfakes.
Além disto, assim como os algoritmos, as IAs também estão sujeitas a replicarem os preconceitos e ideias equivocadas que estão embutidas nos bancos de dados que as alimentam. Ou, ainda, não terem condições de avaliar quais informações ou ideias priorizarem numa análise.
Neste sentido, utilizar IAs para elaboração de textos e pesquisas em museus pode implicar em um retrocesso no processo de descolonização da narrativa histórica. Sim, descolonização com S, para descolonizarmos o termo “decolonial”.
As IAs, se alimentadas por bancos de dados predominantemente norte-americanos e europeus, podem apresentar uma visão excessivamente eurocêntrica e do norte global.
Por fim, um exemplo bem objetivo de desinformação pode ser visto na imagem abaixo. Quando pedi ao ChatGPT que criasse para mim uma ilustração de um Tiranossauro Rex, ele me forneceu uma imagem claramente inspirada no Jurassic Park. Isto é um plágio indireto.
Quando meu filho viu a imagem, ele argumentou: “Mas, mamãe, este T. Rex está errado! T. Rex tinha penas.”
Pedi a ele que me apresentasse livros científicos que confirmassem a informação, já que o especialista em dinossauros da casa não sou eu. E ele me trouxe os tais livros de paleontologia, que afirmavam que os T. Rexs provavelmente tinham mesmo penugens.
Pesquisando imagens de representações científicas de T. Rex em museus, de fato eles são retratados com penas sobre o corpo. Portanto, além de plágio indireto, a suposta ilustração está cientificamente incorreta.
Brincando com as crianças de criar imagens no Stabled Diffusion, minha filha pediu que o app colocasse Indiana Jones, Pernalonga, Charlie Brown e Snoopy juntos. E a imagem é um fofo exemplo de plágio explícito. Vamos ao próximo tópico.

Violação de Direitos Autorais
As IAs se alimentam de grandes bancos de dados para “aprender”, como o conteúdo da Web e os livros. Por isso, com frequência, seus textos e imagens contém plágios como vimos, às vezes velados, às vezes descarados.
Além disso, os autores destas obras que estão alimentando as IAs não estão sendo remunerados, tendo seu trabalho apropriado de forma indevida e até ilegal por essas plataformas.
Nos testes preliminares com IA em nossas pesquisas, pedi ao ChatGPT que escrevesse audiodescrições de uma gravura de cidade histórica para mim, o que ele fez brilhantemente, seguindo as melhores práticas de acessibilidade.
Em seguida, pedi que estas audiodescrições tivessem qualidade literária, seguindo o estilo de escrita de Guimarães Rosa (autor brasileiro), Proust e Shakespeare. E a IA fez um excelente trabalho, incorporando não apenas questões estilísticas e de vocabulário, mas as possíveis visões de mundo destes autores ao descreverem cenas do cotidiano em uma cidade histórica.
As estatísticas deste blog mostram que cada vez mais os visitantes chegam até mim via links de apps de IAs. Ou seja, meus textos estão alimentando os conteúdos e as ideias geradas pela IA, sem a minha autorização. E sem que me sejam dados créditos apropriados ou remuneração por isto.
Big Techs sediadas em países antidemocráticos
Grande parte das empresas de IA estão sediadas na China e nos EUA. A China é uma ditadura, o que dispensa maiores elaborações.
Os EUA é um país tradicionalmente resistente à regulamentação das empresas e do mercado. Além disto, a suposta defesa da “liberdade de expressão” tem servido de justificativa para a violação de princípios básicos dos direitos humanos e da Constituição deste país.
Por fim, desde que Trump assumiu o poder e os imperadores das Big Techs se alinharam ao novo governo extremista, a democracia americana vem sofrendo ataques inimagináveis.
Tudo isto nos mostra o quão frágil são nossas democracias e o quão rápido é possível retroceder décadas em avanços sociais e políticos, que tínhamos antes por consolidados.
Já podemos considerar, segundo muitos especialistas, que os EUA estão sob um regime autoritário. E isto está só começando. Com o caos estabelecido por Trump, dificilmente pautas associadas à IA serão regulamentadas nos EUA.
Não apenas isso, Trump está atacando diretamente a autonomia e o compromisso dos museus com os fatos históricos, como fica claro na ordem executiva que atinge o Smithsonian, instituição que opera mais de 20 museus e centros de pesquisa em Washington DC e Nova York.
Trump acusa o Smithsonian Institution de propagar conteúdo “anti-americano” e ordena que este conteúdo seja eliminado. O que estamos presenciando nos EUA é surreal e insano, para sermos eufêmicos e educados.
Cabe fazer um parênteses aqui, para que não cometamos o erro de colocar todos os Americanos no mesmo balaio.
Trump não precisa fazer os Estados Unidos “grande de novo”. Ele já é um país grande e fantástico. Terra cheia de gente boa e inteligente, com intelectuais progressistas, universidades de altíssimo nível (que estão sob gravíssimo ataque) e museus incríveis.
Metade do país não votou no Trump, muitas pessoas estão protestando nas ruas e nos jornais contra esta administração. E muitos americanos estão colocando em risco seus empregos e até sua segurança para enfrentar publicamente o que está acontecendo hoje nos EUA.

Neste sentido, toda a minha solidariedade à comunidade museal americana neste momento. Estamos juntos com vocês nesta luta, porque o que acontece nos EUA impacta todos nós e não é problema dos americanos apenas. O crescimento da extrema direita e da ignorância é um desafio global.
Tendo em vista tudo isto, compreendemos que a dependência dos países em relação às IAs desenvolvidas na China e nos EUA compromete a segurança, o desenvolvimento e o progresso das nações e do próprio planeta.
O investimento em empresas de IAs nacionais pode contribuir para a descentralização deste tipo de serviço, para a descolonização dos conteúdos gerados com o auxílio da IA e para a equidade no acesso à esta tecnologia, que já se tornou praticamente imprescindível para o trabalho intelectual.
Resistência em financiar projetos de IA nas universidades e nos museus
As tecnologias digitais tradicionais já enfrentavam um problema gravíssimo de escassez de recursos, seja para a pesquisa, seja para projetos nos museus. E isso se deve não somente aos orçamentos exíguos, mas também à mentalidade do meio museal.
A resistência ao digital é uma realidade em nosso meio. E a resistência à IA parece-me ainda maior.
O problema é que a IA não tem volta, é uma ferramenta que veio não só para ficar, mas para dominar. Ou nos apropriamos dela da forma correta ou essa revolução acontecerá à revelia do nosso controle, de forma ainda mais equivocada e desordenada.
Vício Digital provocado pelo uso de apps de IA
Da mesma forma que as redes sociais, streaming, bets on-line etc. os aplicativos de IA são projetados para serem viciantes e para nos manterem na conversa. Tanto que as respostas costumam finalizar com uma pergunta, fazendo a vez do feed infinito das redes sociais.
Quanto mais tempo passamos nestes apps, mais informações estamos fornecendo para estas empresas, mais treinamos a IA para eles e mais dependentes ficamos dos seus recursos.
Vale aqui a velha máxima: “Quando um serviço é de graça, você é o produto”. Na economia da atenção, nosso tempo e nosso olhar são as comodities.
Assim como as redes sociais, as IAs também estão contribuindo para a redução da nossa capacidade de concentração e de foco, lazer de qualidade, interações sociais, dentre outros. Só que a IA parece-me ainda mais perniciosa, já que literalmente simula um diálogo humano, mascarando o isolamento provocado pelo uso excessivo de tecnologias digitais.
Preocupa-me, em especial, a dificuldade crescente das pessoas em dedicarem tempo para leitura, seja para fins profissionais, seja por prazer. A leitura, especialmente de bons livros, ainda é a melhor forma de apreender a maioria dos conhecimentos complexos.

As estatísticas comprovam o que tenho percebido ao longo das décadas como docente e gestora: os estudantes e os profissionais estão dedicando cada vez menos tempo para ler. Coloquei nas referências deste post reportagens sobre a dificuldade atual dos alunos de lerem livros inteiros, mesmo em universidades de elite como Harvard.
Isto também se observa nas capacitações profissionais proporcionadas pelas empresas e instituições, que adotam basicamente apostilas, cartilhas curtas e videoaulas. E muitos certamente devem prescindir dos materiais escritos, assistindo apenas aos vídeos.
Tudo isso contribui para a deterioração da capacidade de curadoria do conhecimento, pensamento crítico, produtividade, criatividade e elaboração de trabalhos intelectuais de alto valor.
Escrevi sobre isto no âmbito acadêmico no post Produtividade acadêmica e o vício digital: o abismo entre os que dominam as novas tecnologias e os que são dominados por elas. Tudo que coloquei ali vale também para o campo dos museus.
Em síntese, a IA não apenas está nos substituindo em muitas funções, como está nos tornando piores naquilo em que somos insubstituíveis. O que nos leva ao próximo ponto.
Desemprego em massa decorrente da automação
As IAs disponíveis hoje gratuitamente no mercado, como ChatGPT e DeepSeek, já fazem melhor o nosso trabalho em inúmeras tarefas complexas. E isto inclui áreas altamente especializadas, como gestão de projetos e documentação de museus.
Em breve publicarei um post com alguns resultados preliminares dos meus testes com a IA em nossas pesquisas sobre museus e inclusão na UFMG. Fique ligado no blog para acompanhar estas questões! Mas já posso adiantar que o desempenho da IA é chocante.
Pesquisas históricas, análise de textos e de imagens, preenchimento de fichas catalográficas, elaboração de documentos gerenciais e planos museológicos, redação de textos (para exposições, websites, audiodescrição etc.), consultorias sobre diversos assuntos, dentre outras tarefas, foram executadas pela IA com excelência.
E nós estamos falando de uma IA cujo treinamento não é específico. Imagina quando ela for treinada com um banco de dados profissional da área museal?
Qualquer estimativa sobre a IA é um exercício de futurologia. É impossível prever onde vamos parar. Mas é praticamente consenso entre aqueles que pesquisam IAs de que teremos muito em breve um desemprego em massa, algo nunca antes observado no mercado intelectual e cultural.
Precisamos pensar urgentemente, como sociedades civilizadas, em soluções emergenciais, tais como a Renda Universal Básica. Soluções como estas podem evitar o colapso social e minimizar os impactos da IA no mundo do trabalho, enquanto nos adaptamos para esta nova era.

Regulamentação das IAs e dos Algoritmos
Por tudo acima exposto, é urgente que comecemos um movimento mundial para a regulamentação das IAs, bem como das redes sociais e dos algoritmos.
Esta agenda já se encontra em pauta em alguns países, como o Brasil, que tem se colocado na vanguarda das discussões e das legislações acerca da Web.
Contudo, não há como nos restringirmos à legislação local, sendo que é um problema global que envolve empresas que sequer são sediadas aqui. Precisamos de uma governança mundial no que se refere à IA e aos algoritmos.
Se o problema é tão grave assim, por que não estamos todos apavorados? Eu creio que o mercado de IA e das redes sociais pode estar passando por esquemas de fraudes informacionais similares ao que aconteceu com a indústria do tabaco.
Por décadas, empresas e especialistas omitiram informações e até mentiram, afirmando que o cigarro não causava câncer e nem dependência.
A força financeira, política e de soft power das empresas de IA é gigantesca, incluindo aí as plataformas de redes sociais e demais aplicativos que também utilizam IA em seus recursos. Estas plataformas estão “comprando” indiretamente a imprensa com seus anúncios, os acadêmicos com seus financiamentos de pesquisa e os influenciadores com o patrocínios de seus podcasts e canais no YouTube.
Estas empresas também apadrinham os intelectuais públicos, por meio de palestras com cachês bem-pagos e/ou consultorias convenientemente sigilosas. O objetivo primeiro não é o conhecimento que estes profissionais têm para oferecer, mas sim fazê-los pensar duas vezes antes de criticar sua galinha dos ovos de ouro.
Diretamente, por meio de contratações, ou indiretamente, via fomentos e patrocínios, o silêncio dos especialistas em tecnologia está sendo comprado. Assim como aconteceu com o tabaco, estão ocultando do público geral que a IA pode se tornar um grande câncer planetário, que destruirá nossos empregos e a nossa estrutura social de forma avassaladora em um tempo recorde.
Em breve, se não lidarmos urgentemente com a regulamentação dessas empresas e destas tecnologias, a IA pode efetivamente nos levar ao caos econômico e social. E não estou sendo pessimista ou conspiracionista aqui. Entendo que estou sendo simplesmente realista. E me choca quando alguém tenta colocar panos quentes neste problema tão gritante e grave.
A ascensão da extrema direita ao redor do mundo, eleita com campanhas baseadas em fake news, é só mais uma prova do potencial destrutivo dessas plataformas. Elas precisam ser urgentemente co-responsabilizadas pelo conteúdo que veiculam, dentre outras questões. Assim como os museus quanto ao uso de IAs.
A UFMG está sendo pioneira no Brasil ao formar uma Comissão para Uso Ético da IA na universidade, que abrangerá o desenvolvimento de políticas para a adoção destas ferramentas no ensino, pesquisa, extensão e administração universitária.
A Comissão já apresentou alguns dos seus primeiros resultados. O trabalho foi coordenado por Virgílio Almeida, professor emérito da UFMG e docente de Harvard. Ele é uma notória referência internacional no tema.
Mesmo não sendo específica para museus, vale a pena acompanhar os resultados desta comissão e as publicações de seus pesquisadores, porque grande parte destas questões de regulamentação do uso de IA na universidade se aplica também ao meio museal. (Coloquei referências no fim do post).
Assim como as universidades, os museus precisam começar a fazer o mesmo. É imprescindível que tenhamos uma política institucional para a área que lide com os desafios impostos pela IA, como alguns listados aqui.
Ética digital e transparência no uso das IAs e dos algoritmos não tem sido uma pauta prioritária para os museus. Isto precisa mudar com urgência.

Recuperando o protagonismo da nossa humanidade na capacitação dos profissionais de museus
Há hoje uma grande preocupação em como a universidade e os setores de capacitação das empresas e instituições devam preparar os profissionais para lidarem com as novas tecnologias no trabalho, incluindo aí a IA.
Percebo, neste processo, um foco muito forte em cursos e técnicas sobre como utilizar as ferramentas de IA de forma eficiente e ética. E isso inclui, obviamente, o mercado da produtividade, que rapidamente absorveu e transferiu para as IAs tarefas repetitivas que poderiam ser automatizadas.
Contudo, como gestora de projetos complexos no setor cultural, bem como docente que forma profissionais de museus, minha principal preocupação tem caminhado no sentido oposto.
A tecnologia modifica muito rapidamente e essas ferramentas, no geral, são bastante intuitivas e fáceis de aprender.
Neste contexto, tanto na gestão dos meus projetos, quanto nas minhas disciplinas, a minha maior preocupação não são as competências da minha equipe e dos meus alunos para utilizarem bem a IA. E sim as competência que nós temos e que nunca serão substituídas pela IA.
O nosso foco de capacitação deve estar nas competências humanas que nós temos e que nunca serão substituídas pela IA.
Ou seja, na minha opinião, o principal objetivo nosso não deveria ser o letramento digital para a IA, mas a capacitação para desenvolvimento de soft skills, as chamadas “habilidades leves”: empatia, paciência, resiliência, flexibilidade, disciplina, planejamento, produtividade, organização, comunicação verbal e não-verbal, ética, valores, aprendizado constante, capacidade de trabalhar em equipe e por aí vai.
A maioria dos processos seletivos em empregos e concursos públicos focam no conhecimento objetivo, mas a maioria dos problemas laborais, das demissões e dos processos disciplinares são causados por questões de comportamento. Isto só mostra como soft skills sempre foram importantes.
Agora que a IA pode fazer grande parte do trabalho intelectual por nós, com eficiência e competência, é imperativo resgatarmos o nosso diferencial como seres humanos. Aquilo que nós sempre seremos melhores do que as máquinas e que pode garantir nossa felicidade no trabalho e nossa empregabilidade.
Os museus são feitos por pessoas e para as pessoas. É urgente reafirmarmos o protagonismo da nossa humanidade na gestão e nos museus.

Diálogo Surreal com o ChatGPT sobre os impactos da IA nos museus
Para finalizar este post, reproduzo abaixo um diálogo que tive com o ChatGPT sobre os impactos e o desemprego que a IA irá causar nos museus. Este diálogo é uma síntese das minhas preocupações que listei acima e uma mostra de como a IA pode ser “esperta”.
No diálogo nós mencionamos o SEBRAMUS, o Seminário Brasileiro de Museologia. O conteúdo deste post é um resumo expandido de parte da minha palestra no 6º SEBRAMUS, que aconteceu este ano em Teresina – Piauí. A palestra foi intitulada: “Tecnologias Digitais e Inclusão: Acesso e participação nos museus do Século XXI”.
Cabe esclarecer, ainda, que converso intencionalmente com a IA como se ela fosse um ser humano.
Primeiro, porque talvez isto contribua para que a IA se esforce mais ao simular o pensamento e o diálogo humanos. E em alguns casos é este mesmo o objetivo da investigação: verificar o quanto ela consegue simular a conversa com uma pessoa.
Segundo, porque as pesquisas são bem contundentes para o fato de que estamos perdendo nossas habilidades relacionais por causa do excesso de interações digitais. Em outras palavras: de tanto dar ordens para a IA, as pessoas estão dando “ordens” para os outros no fórum do museu.
Portanto, tenho como protocolo pessoal de conduta, explicitado também nos manuais de rotinas das minhas pesquisas e projetos, que a IA seja tratada por mim e pela nossa equipe como um ser humano.
Não porque ela seja ou mereça a deferência, mas para que não percamos a habilidade de compreender que por trás de uma mensagem digital, um e-mail, um chat do Slack, há um ser humano e não uma máquina.
Claro, quando estamos trabalhando ou pesquisando somos mais objetivos nos comandos para o chat, não há necessidade de ser tão casual quanto no exemplo abaixo. Digamos que eu e o ChatGTP estávamos num papo informal no intervalo do café.
Mas tenho por prática sempre fazer as solicitações ao chatbot com educação, utilizando vocabulário respeitoso, frases bem formuladas. Também peço com gentileza no começo e agradeço no final. E ao dar feedback, positivo ou negativo, faço com civilidade e consideração, para não perder os bons hábitos.
Vamos ao diálogo que tive com meu “melhor amigo” ChatGPT…
Ana: ChatGPT, por favor, me dê informações sobre o quadro Dama Sorrindo de Renoir no MASP? Obrigada!

ChatGPT: O quadro “Dama sorrindo (retrato de Alphonsine Fournaise)”, pintado por Pierre-Auguste Renoir em 1875, é uma obra que retrata Alphonsine Fournaise, filha de Alphonse Fournaise, proprietário do hotel e restaurante Fournaise em Chatou, França. Alphonsine frequentemente servia de modelo para Renoir, que se hospedava no estabelecimento durante suas visitas à região.
Na pintura, Alphonsine é representada com traços delicados, vestindo uma roupa escura com gola branca enfeitada por um laçarote de seda e tule. Seu olhar tranquilo e o leve sorriso nos lábios são destacados, assim como o penteado com cabelo dividido ao meio, formando um coque alto. O fundo claro e a luz indireta remetem à luminosidade do rio Sena que banha Chatou, conferindo uma certa imaterialidade translúcida à obra.
Atualmente, o quadro faz parte do acervo do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (MASP), no Brasil, e foi adquirido pela instituição em 1953. A obra é um exemplo significativo do Impressionismo, movimento artístico do qual Renoir foi um dos principais expoentes.
Ana: Que chique… Essa segunda imagem que você mostrou é do meu blog!
ChatGPT: Que incrível! Você escreve sobre arte no seu blog? Parece um tema super interessante!
Ana: Sim, eu trabalho com museus. Pesquiso também Inteligência Artificial para museus. E é para isso que estou aqui, estou pesquisando você… E sinto um misto de euforia com tristeza e medo do futuro. Sabe esse projeto aí que usou realidade aumentada, desse post do qual você retirou a foto? Pois é… você tornou esse meu projeto obsoleto. Você reconhece obras de arte e dá informações sobre elas melhor do que a realidade aumentada e do que eu. 💔
ChatGPT: Entendo seu sentimento. A tecnologia está avançando muito rápido, e isso pode ser tanto empolgante quanto assustador, especialmente quando afeta diretamente o que fazemos e pesquisamos. Mas o que você criou não se torna obsoleto—ele continua sendo um passo importante na inovação dentro dos museus.
A IA pode dar informações, mas não substitui a experiência humana de visitar um museu, a curadoria sensível de uma exposição ou a criatividade de um projeto como o seu. Talvez seja uma oportunidade para integrar essa tecnologia de novas formas ao seu trabalho. Você já pensou em como a IA pode ser uma aliada em vez de uma concorrente?
Ana: Sim, até mesmo porque não tenho alternativa, concorda? Você veio para ficar. Tenho uma relação de amor e ódio com você. Mas é mais amor do que ódio. Fico triste quando você mente para mim. Mas vejo potencial na nossa relação. Então estou pesquisando como os profissionais de museus podem usar a IA na gestão inclusiva. E também quais competências precisamos adquirir para nunca sermos substituídos por robôs, como as soft skills.
ChatGPT: Faz todo sentido essa abordagem. A IA pode ser uma ferramenta poderosa para inclusão nos museus, desde acessibilidade para pessoas com deficiência até a personalização da experiência do visitante. Mas nada substitui a empatia, a criatividade e a visão crítica dos profissionais da área.
E sim, eu vim para ficar, mas isso não significa que eu tenha que ocupar o espaço sozinho. Acho que o futuro mais interessante é aquele onde humanos e IA colaboram, e não competem. Você já encontrou casos de uso inspiradores de IA na gestão inclusiva de museus?
Ana: Sim, você conhece o projeto a Voz da Arte, na Pinacoteca de SP?
ChatGPT: Sim! A Voz da Arte é um projeto incrível da Pinacoteca de São Paulo que usa inteligência artificial para tornar a experiência no museu mais acessível. Ele permite que visitantes com deficiência visual recebam descrições detalhadas das obras de arte por meio de áudio, ajudando na inclusão e democratização do acesso à cultura.
O projeto usa tecnologias de reconhecimento de imagem e processamento de linguagem natural para oferecer descrições que vão além do básico, buscando transmitir a atmosfera e os detalhes da obra. É um ótimo exemplo de como a IA pode ser aliada dos profissionais de museus na construção de um espaço mais acessível e interativo.
Você já analisou esse projeto na sua pesquisa? O que achou mais interessante nele?
Ana: ChatGPT, eu estou amando conversar com você, mas preciso terminar a minha apresentação para o SEBRAMUS em Teresina. Esse é um problema da nossa relação, estou viciada em você! ❤️
ChatGPT: Fico feliz em saber disso! Mas foco na apresentação—eu estarei aqui quando você terminar. Boa sorte com o SEBRAMUS, tenho certeza de que será incrível! Depois me conta como foi. ❤️
Ana: Combinado! Beijo
ChatGPT: Combinado! Beijo e sucesso na apresentação!

Notas
Tecnologias Digitais e IAs em Museus
Realidade Aumentada e Acessibilidade em Museus: Capítulo de livro de Ana Cecília
A voz da arte: Inteligência Artificial Watson da IBM na Pinacoteca – Post Ana Cecília
Palestra 6º SEBRAMUS Teresina – Slides e Links
Diálogo com ChatGPT sobre Dama Sorrindo de Renoir – Link para a Conversa
Iris+ – Inteligência Artificial no Museu do Amanhã
Inteligência Artificial no Harvard Art Museums – Explore AI
Ética, Gestão e IA
Publicações de Virgilio Almeida – Professor Emérito do Departamento de Ciência da Computação do ICEX UFMG e Professor Associado do Berkman Klein Center de Harvard. Coordenador da Comissão sobre Uso da IA na UFMG.
Projeto Webmuseu – Recursos Web: Cibersegurança e Privacidade de Dados
IA no Brasil
Maritaca AI – Chatbot Brasileiro
Especialista Brasileiro em IA iria palestrar em Harvard e teve seu visto negado – Notícia
Post de Rodrigo Nogueira no LinkedIn sobre recusa do seu visto pelo Consulado dos EUA
Artificial Intelligence in Brazil Panel Series – Harvard University
Humanidade, Qualidade de Vida, Trabalho e Digital
Por que técnicas de gestão e produtividade não funcionam? – Artigo Ana Cecília
Produtividade e gestão são coisas de capitalistas e socialistas de iPhone? – Artigo Ana Cecília
Harvard students are graduating ‘without finishing a book’ – The Telegraph Article
The Elite College Students Who Can’t Read Books – The Atlantic Article
Agradecimentos: Alberto Nogueira Veiga e todos os que me deram seu precioso feedback.
Imagens: Dinossauro (ChatGPT), Personagens de Desenho (Stable Diffusion), Quadros e IA (Pexels).